sábado, 30 de janeiro de 2016

Leia os Três Primeiros Capítulos do Livro O Destino de Uma Dama


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Por esse motivo, resolvi colocar os três primeiros capítulos aqui no blog para vocês degustarem antes de ir ao site da Amazon e comprar o livro e devorá-lo por inteiro.

Vamos começar....


                     A Despedida da Fazenda

   Inglaterra, Julho de 1744

   Sentia em meu peito que aquela seria a última vez que veria a casa onde morei toda a minha vida com os meus avós. Meu co­ração estava em pedaços por ter que deixar uma vida que tanto amava. Queria que tudo voltasse a ser como antes, queria poder ter novamente ao meu lado as duas pessoas que mais amava nessa vida. Gostaria de passear a cavalo com meu avô, ouvir as histórias que minha avó contava. Eu sabia que tinha um pai que vivia em Londres, mas jamais imaginei que um dia teria que viver com ele. Sempre olhei para a fazenda Wellington como um lar permanente. O que fazer para não ter que partir?
       ― Srta. Canning, temos que partir. A senhorita está parada em frente à casa por muito tempo. ― O Sr. Smith disse paciente. ― O Sr. Lewis deu ordens para não viajar com a senhorita durante a noite, se quisermos chegar na hospedaria antes do anoitecer temos que partir agora. Por favor, senhorita, entre na carruagem ― começava a perder a paciência. ― Sei que deve estar sendo difícil para a senhorita tudo o que está acontecendo, mas mudanças sempre acontecem em nossas vidas, e mais tarde vemos que essas mudanças foram para melhor ― disse como se tivesse conhecimento no assunto.
       ― Eu não quero essa mudança, Sr. Smith. Morei minha vida toda nessa casa, não quero ir embora ― continuei olhando para a casa.
    Olhava para a casa e memorizava cada detalhe dela. Já tinha olhado aquela casa tantas vezes, mas nunca imaginei que um dia a olharia pela última vez.
       ― Agora a senhorita vai morar com seu pai em Londres, ele cuidará da senhorita. Agora vamos, por favor.
       Virei e olhei para o Sr. Smith. Ele estava em frente à porta da carruagem que estava aberta esperando por mim. Sua paciência chegara ao limite, era o momento de entrar na carruagem. Era hora de terminar com todo aquele sofrimento. Olhei para a casa pela última vez. Me forcei a entrar na carruagem, o Sr. Smith me ofereceu a mão e me ajudou a entrar. Logo depois que ele entrou a carruagem partiu. Olhei pela janela e vi os criados enfileirados em frente à porta da casa observando minha partida, todos pareciam tão tristes. Aquelas pessoas me viram crescer, pessoas que eu amava como uma família, eu jamais os esqueceria, me lembraria de cada rosto, de cada momento que tinha passado ao lado daquelas pessoas, eu as levaria em meu coração. Lágrimas se formaram em meus olhos, mas não as deixei cair. Naqueles dois últimos meses já tinha chorado demais pela morte da minha avó. Afastado da casa, vi Parker Bungard, meu melhor amigo, meu companheiro de tantas aventuras, eu o amava como a um irmão. Sentiria tanto a sua falta. Enquanto a carruagem se afastava, ele ficou olhando para ela, havia uma profunda dor em seus olhos. Eu jamais esqueceria aquela dor em seus olhos. Vi quando seu pai, o Sr. Davis Bungard, ficou ao seu lado e colocou a mão em seu ombro para consolá-lo. Sorri ao pensar em tantos momentos felizes que passei nos estábulos ao lado dos dois. Momentos que jamais voltariam a acontecer.
       Pela janela eu via a casa se afastando, eu via a minha vida se afastando. Quando passamos pelos portões da fazenda, minha vontade foi de sair daquela carruagem e voltar correndo para a casa, me trancar em meu quarto e nunca mais sair de lá. Tive que segurar no banco da carruagem para não fazer o que meu coração mandava. Me senti tão sozinha naquele momento. Eu sabia que sempre estaria sozinha daquele dia em diante.
       ― O Sr. Lewis está esperando pela senhorita amanhã logo pela manhã, por isso não podemos nos atrasar.
       O silêncio foi quebrado pelo comentário do Sr. Smith. Voltamos a ficar em silêncio por um tempo. Continuei olhando pela janela. De repente a imagem do meu pai veio em minha mente. 
       ― Como é o meu pai, Sr. Smith? ― olhei para ele.
       ― Um homem muito bom e generoso, senhorita.
       Voltei a olhar à paisagem pela janela. Dizer que ele era bom e generoso não me dizia nada. Muitos homens eram bons e generosos por fora, mas cruel e malvado por dentro. Tentei me lembrar do homem que era o meu pai, mas era difícil imaginá-lo, só tinha convivido com meu o pai durante os meus primeiros três anos de vida e desse tempo eu não lembrava nada. Quando fiz quinze anos, ele apareceu na fazenda dizendo que me levaria para Londres para que eu fosse apresentada na sociedade londrina, e que já estava na hora de arrumar um marido. Isso era o que ele pensava. Mas, os meus avós pensavam diferente, por isso, não deixaram que ele me levasse. Até hoje não sei como eles conseguiram fazer com que ele mudasse de ideia. No dia seguinte ao acordar, soube que meu pai tinha ido embora, e nem esperou para se despedir de mim. Não me importei com sua partida, não queria ir com ele para Londres, fiquei feliz ao saber que ele tinha ido embora. Um ano depois meu avô morreu, um momento muito difícil para minha avó e eu. Meu avô tinha ido caçar com alguns amigos das redondezas, como fazia todos os anos. Eles pegaram um forte temporal, o que não era comum naquela época. Meu avô voltou da caça muito doente, com um forte resfriado que tomou conta dos seus pulmões e que logo o matou. Dias depois, meu pai apareceu novamente na fazenda e conversou com minha avó. Soube através de Polly, que ele queria me levar novamente para Londres e me casar. Disse a Polly que não iria, mas ela disse que ele era meu pai e tinha todo o direito de me levar e fazer comigo o que quisesse, ao ouvir aquilo eu senti um grande ódio por ele. Eu ouvi minha avó gritando, mas não entendi sobre o que eles discutiam. Novamente ele concordou em me deixar na fazenda com ela, novamente saindo sem se despedir. Mas agora, dois anos depois do meu avô morrer, ele conseguiu o que tanto queria. Agora que minha avó tinha morrido, não tinha ninguém para lutar por mim, eu estava sendo obrigada a ir para Londres para viver com o meu pai.
       Antes do meu encontro com ele aos quinze anos. Eu vivi com o meu pai até os meus três anos quando minha mãe era viva. Dois meses depois da minha mãe morrer, meus avós me levaram para viver com eles na fazenda. Não lembro nada da minha mãe, mas meus avós sempre falavam que ela me amava muito e que era uma mulher muito bonita. Eles não falavam sobre o meu pai, eu também não perguntava, não queria magoá-los fazendo-os pensar que eu amava mais a meu pai do que a eles, meus avós eram a minha vida, e deu todo o amor que uma menina podia ter. Ao lembrar deles uma forte dor apertou meu peito.
      ― Uma vez minha avó disse que meu pai era um homem muito ocupado. Ele continua muito ocupado, Sr. Smith? ― perguntei, olhando a paisagem pela janela.
       ― Continua, senhorita. Seu pai é um homem muito ocupado, tem muitos negócios na cidade e fora dela. O seu pai é um ótimo advogado, está sempre ocupado.  
       ― Vejo que o senhor tem uma grande admiração por ele.
       ― Tenho sim, senhorita. Tudo o que sei e o que sou eu devo ao seu pai. A senhorita viveu muito tempo longe dele, quando o conhecer melhor verá que o que eu digo é verdade.
       ― Se ele é um homem tão ocupado, ele podia ter arrumado uma outra maneira de pagar as dívidas do meu avô e ter me deixado na fazenda. Por que querer mais um problema?
      ― A senhorita não é um problema para o seu pai. Ele tem planos para a senhorita... O seu pai vai casá-la.
       ― Mas eu pensei que ele fosse esperar mais alguns anos para me arrumar um marido. Não posso me casar agora, estou de luto pela minha avó.
       ― A senhorita já devia estar casada, já tem dezoito anos ― disse como se eu fosse uma velha. ― O Sr. Lewis teve muitas propostas de casamentos de várias família de Londres. O Sr. Lewis é um homem muito respeitado na sociedade londrina. Ele poderia já ter escolhido um noivo para a senhorita, mas ele achou melhor que a senhorita mesmo escolhesse seu pretendente, por isso a senhorita vai nessa temporada de bailes, para escolher um pretendente.
       ― Muita generosidade do meu pai deixar que eu mesma escolha o meu marido.
      ― Eu disse que seu pai era um homem muito generoso ― disse sorrindo.
       Balancei a cabeça e pensei que talvez a palavra sarcasmo não fizesse parte do vocabulário do Sr. Smith.
       Voltei a olhar pela janela. Quando tinha três anos meu pai livrou-se de mim ao me entregar aos meus avós, e agora novamente se livraria me entregando ao meu futuro marido. Fechei os olhos e suspirei, eu tinha sido muito feliz da primeira vez, esperava que fosse assim também da segunda vez.
       Depois de algum tempo olhando pela janela e pensando em como minha vida mudaria quando chegasse em Londres. Voltei a olhar para o Sr. Smith. Ele olhava para alguns papeis em suas mãos. Ele era um homem baixo, quase da minha altura, que era uma estatura mediana. Ele era um homem sem nenhum atrativo, tinha uma testa alta e o nariz muito pontudo. Era um pouco nervoso, tudo tinha que estar no lugar certo e na hora certa.
       O Sr. Peter Smith chegou na fazenda com a missão de me levar para Londres em até três dias. No começo eu me recusei.
       ― Srta. Jennifer.
       A cama estava tão agradável naquela manhã de verão, que não tive nenhuma vontade de sair dela. Eu já tinha ouvido Polly me chamar nas duas primeiras vezes, mas me recusei a atendê-la, não queria sair do meu refúgio, queria continuar dormindo para não lembrar que agora estava sozinha no mundo. Minha avó tinha morrido há dois meses, e a dor ainda era a mesma.
       ― Srta. Jennifer ― chamou Polly impaciente. ― Sei que a senhorita está acordada. A senhorita tem que levantar, tem uma visita. Está lá em baixo esperando.
    Polly era minha dama de companhia desde os meus 14 anos. Meus avós não viam com bons olhos minha amizade com Parker, por isso contratou Polly para que eu passasse menos tempo com Parker e os cavalos. Mas sempre eu deixava Polly com o Sr. Davis nos estábulos e saía para ca­valgar com Parker. Polly sempre dizia para meus avós que tinha passado o dia inteiro comigo. Durante esses anos nossa amizade cresceu muito. Ao me tornar amiga de Polly, passei a reservar algumas horas do dia só para nós duas. Polly era loira de olhos azuis. Ela era bem magra, sempre impli­cava com ela dizendo que qualquer ventinho a levaria embora. Eu gostava muito de Polly. Estava sempre procurando um pretendente para ela, mas ela dizia que só se casaria depois que eu me casasse.
      ― Não, Polly. Não vou me levantar. Estou cansada de ouvir tantos pêsames, estou cansada que todos me lembrem a todo momento da morte da minha avó ― disse debaixo das cobertas.
      ― Mas senhorita, as pessoas só querem confortá-la ― disse Polly docilmente. ― Mas eu acho que o cavalheiro que está lá embaixo não veio para lhe confortar sobre a morte da sua avó, ele disse que vem de Londres.
      Rapidamente tirei com alguma dificuldade as cobertas de cima da minha cabeça e olhei para Polly com os olhos arregalados.
       ― Meu pai está lá embaixo?
       ― Não é o seu pai senhorita, eu o conheço. Mas o cavalheiro disse que veio em nome do seu pai.
       Me levantei rapidamente da cama.
       ― Ajude-me, pegue um vestido, Polly.
       Fui até a bacia com água e lavei meu rosto. Em pouco tempo estava vestida para saber quem era o cavalheiro que estava a minha espera. Dois meses atrás meu pai esteve na fazenda para o enterro da minha avó, depois ficou uns dois dias para a leitura do testamento. Enquanto esteve na fazenda quase não conversamos. Eu ficava o tempo todo chorando em meu quarto e ele ficava o dia todo na cidade tratando de negócios. Depois de dois dias mandou me chamar e disse que tinha que ir para Londres para resolver alguns assuntos, mas que voltaria para conversarmos. Agora, depois de dois meses, manda alguém em seu lugar.
       Ao entrar na sala, vi o cavalheiro em pé a minha espera. Ele não era o que eu esperava. Sempre imaginei que todos os homens londrinos fossem lindos e charmosos, como meu pai, mas o cavalheiro que estava em minha frente não era nenhuma coisa nem outra. Estava muito bem vestido, no momento que entrei estava ajeitando sua peruca, seu chapéu estava embaixo do seu braço. Ao me ver parada na porta, consertou-se e fez uma mesura.
       ― Sou Peter Smith, secretário do Sr. Lewis Canning, aos seus serviços. Vim a mando dele para levá-la para Londres.
       ― Me levar para Londres? Para quê? ― perguntei antes mesmo de cumprimentá-lo.
       ― Para morar com o Sr. Lewis em Londres, senhorita. Temos três dias para partir. Creio que três dias serão suficiente para que a senhorita arru­me suas coisas.
       ― Não irei para Londres, Sr. Smith. Aqui é minha casa, continuarei morando aqui.
       ― Senhorita Canning ― disse bem devagar. ― Essa casa não pertence mais a senhorita.
       O olhei sem entender.
       ― O que está dizendo?
       ― O Sr. Lewis precisou vender esta propriedade para pagar algumas dívidas que o Sr. Jackson Wellington deixou.
       ― Não pode ser, minha avó nunca disse nada sobre dívidas. Isso só pode ser um engano.
       Aquela conversa me deixou muito nervosa, comecei a andar de um lado a outro da sala. O Sr. Smith continuou parado com os braços cruzados atrás das costas, me olhava com um semblante muito calmo, o que me deixou ainda mais nervosa.
       ― Não vou sair da minha casa, Sr. Smith. Volte para Londres e diga isso ao meu pai.
       ― A fazenda já foi vendida, senhorita ― disse calmamente.
       Aquela calma estava me deixando louca.
       ― Por que meu pai não veio pessoalmente me contar isso?
       ― Ele queria senhorita, mas foi obrigado a fazer uma viagem...
       ― Para onde? ― o interrompi.
       ― O Sr. Lewis teve que viajar para a França, por motivos de negócios.
       ― Para quem ele a vendeu? Não pode ter sido para alguém da região senão eu saberia.
       ― Não foi para ninguém da região, senhorita. ― Senti que aquela conversa estava cansando o Sr. Smith, mas eu tinha que saber quem era o novo dono da fazenda. ― Foi um cavalheiro de Londres.
       ― De  Londres?...  Ele não podia fazer isso. Minha avó disse que a fazenda seria o meu dote.
       ― Não preocupe-se com isso, senhorita. O Sr. Lewis cuidará disso.
      ― Não vou sair daqui ― disse olhando diretamente em seus olhos.
       Ele aproximou-se de mim andando com as mãos ainda para trás, e disse calmamente:
       ― O Sr. Lewis viajou para França e deixou uma ordem para que eu a levasse para Londres em até três dias, e é o que farei ― deu aquela conversa por encerrada. ― Agora a senhorita poderia pedir algum criado que me levasse até os meus aposentos, gostaria de descansar um pouco.
       Olhei para ele furiosa, saí pisando fundo e fui em direção ao estábu­lo. Deixei o Sr. Smith sozinho na sala, ele que procurasse pelo quarto sozi­nho. Quando entrei no estábulo Parker estava arrumando os fenos. Parker era o filho do Sr. Davis Bungard, o chefe do estábulo. Eu e Parker éramos muito amigos, nos conhecíamos desde criança.
       ― Onde está o Sr. Valente, Parker?
       ― Está lá fora, meu pai o está exercitando. Algum problema, Jennifer?
       ― Não, eu só quero dar uma volta com ele.
       ― Quer companhia?
       ― Não, Parker. Hoje quero cavalgar sozinha.
       ― Quer que eu pegue o Sr. Valente para você?
       ― Não, eu vou até lá.
       Fui até onde o Sr. Davis exercitava os cavalos. Abrir o portão e fui até ele.
       ― Senhor David, vou sair com o Sr. Valente.
       ― Espere um pouco, Srta. Jennifer, vou mandar que Parker o sele.
       ― Não precisa, Sr. Davis, vou montá-lo assim mesmo.
       ― Mas Srta. Jennifer, sabe que sua avó não gostava que a senhorita montasse o Sr. Valente em pelo.
       Montei no Sr. Valente.
      ― Não se preocupe, Sr. Davis, já montei assim muitas vezes. Não vou demorar. Abra o portão para mim.
       Assim que o Sr. Davis abriu o portão, apertei os flancos do Sr. Valente e saí em disparada para as colinas. O Sr. Valente era um cavalo selvagem, de cor marrom avermelhado, seu pelo brilhava na luz do sol, o que acontecia naquele momento, seu pelo era liso e macio. Quando chegamos no topo da colina, que ficava dentro da propriedade do meu avô, paramos. Fiquei em cima dele olhando a fazenda. De onde estávamos dava para ver quase toda a fazenda. Olhei para a casa e lembrei dos anos que passei com os meus avós, dos jantares que minha avó fazia para o Rev. Maicon, as festas dos meus aniversários e as reuniões para as senhoras de Thirsk. Como que de uma hora para outra eu teria que deixar tudo aqui­lo?
       ― Por que foi morrer, vovó? Como posso lutar contra isso? Me ajude.
       Com lágrimas nos olhos, abracei o pescoço do Sr. Valente me sentin­do derrotada. Eu não podia fazer nada, meu pai já tinha vendido a fazen­da, agora eu teria que me conformar e ir embora para Londres.
       O Sr. Smith fez o que meu pai lhe ordenou. Aqui estou eu, dentro de uma carruagem indo para Londres. Ele podia ser uma homem baixo e sem atrativos, mas era muito determinado em seguir todas as ordens do meu pai.
       ― Quanto anos tem, Sr. Smith? ― perguntei alto o assustando. ― Desculpe se o acordei ― disse disfarçando um sorriso.
       ― Eu não estava dormindo, apenas pensando de olhos fechados.
       ― Sim, sei ― tentei não ri. ― Eu lhe fiz uma pergunta, Sr. Smith.
       ― Desculpe, senhorita. Qual foi a pergunta?
       ― Perguntei quantos anos tem?
       ― Vinte e quatro, senhorita.
       ― O senhor é casado?
       O Sr. Smith ficou encabulado com minha pergunta, o que me diver­tiu ainda mais.
       ― A senhorita é sempre tão direta?
       ― Às vezes não. O senhor é casado?
       ― Não, senhorita. Ainda espero aprender um pouco mais com o seu pai. Depois que aprender tudo o que puder, me casarei.
       O restante da viagem foi feito em silêncio. Quando chegamos na hospedaria da cidade de Belford, há muito já tinha escurecido, o que fez o Sr. Smith me olhar de um modo zangado por causa do percurso que tivemos que fazer durante a noite, o que aconteceu por causa da minha demora em deixar a fazenda.
       Ao chegarmos na hospedaria o jantar já tinha sido servido. O Sr. Smi­th teve que dar algumas moedas a mais para que a cozinheira esquentasse algo para comermos. Depois que comemos fomos para os nossos quartos. Continuamos a viagem bem cedo pela manhã.
       Antes de subir na carruagem, olhei para a estrada, Thirsk tinha ficado para trás, eu jamais voltaria a ver a fazenda dos meus avós novamente.
    Estava tão aborrecida com tudo o que estava acontecendo que não conversei mais com o Sr. Smith. Naquela manhã fui obrigada a aceitar a ajuda de uma criada da hospedaria pois não pude levar Polly comigo. O cavalheiro que comprou a fazenda fez questão de manter os empregados, pagando um pouco a mais para ter o que queria. Sempre tive Polly como minha criada, não sabia se me acostumaria com outra. Polly era minha amiga, sem ela eu me sentiria muito sozinha. Às vezes eu pensava que es­tava vivendo um pesadelo. Até o Sr. Valente tive que deixar na fazenda, o meu pai também o vendeu para o homem que comprou a fazenda. Ao sa­ber daquilo tive tanto ódio dele. Como ele pôde vender algo que não lhe pertencia? Foi muito difícil me despedir do Sr. Valente, ele estava comigo há sete anos, era um amigo para todas às horas, quando estava com raiva, era só cavalgá-lo que eu me acalmava. Havia me separado de tudo e de to­dos que eu amava.
   

                            O Quadro


   Chegamos em Londres um pouco antes da hora do almoço, o que deixou o Sr. Smith muito satisfeito por ter conseguido che­gar no prazo estipulado por meu pai. Ao descer da carruagem olhei para a casa que estava em minha frente. A casa que meu pai morava era uma casa muito bonita. Era uma casa de dois andares, feita com tijolos pequenos na cor cinza, todas as janelas eram grandes e estavam fechadas, nada podia ser visto dentro da casa. Virei um pouco o corpo e olhei para a rua. Ela es­tava muito movimentada, a todo momento passavam carruagens e cavalos com os seus cavalheiros. Na calçada também passava muitas pessoas. Era tanta movimentação que fiquei um pouco tonta com tantas pessoas indo e vindo. Meu pai morava perto do centro de Londres. Naquele momento me dei conta do quanto tudo aquilo era diferente para mim, estava acos­tumada a viver em uma cidade com poucas pessoas, onde praticamente to­dos se conheciam. Senti que minha vida daquele dia em diante não seria mais a mesma.
      ― Vamos entrar, Srta. Canning. ― O Sr. Smith me olhou com um pe­queno sorriso nos lábios. Ele sabia que toda aquela movimentação era no­vidade para mim. Indicou o portão que eu deveria entrar.
       Entrei no portão ainda olhando a casa, subimos os poucos degraus que levava até a porta. Meu coração acelerou ao pensar que conheceria a casa que de agora em diante seria minha. Antes mesmo de chegarmos ao final da escada, a porta se abriu. Um mordomo apareceu e ficou parado ao lado da porta a nossa espera. O mordomo estava vestindo um traje preto impecável, nos olhava com um olhar muito sério.
       A casa por dentro estava escura. Olhei para o hall de entrada e vi poucos móveis, diferente da casa da fazenda dos meus avós que tínhamos que tomar cuidado com tantos móveis pelo caminho. Eu gostava porque a casa ficava mais aconchegante. Mas aqui, na casa do meu pai, tinha pouco móveis e eram bem afastados.
       ― O Sr. Canning está em casa, Alfred?
       ― Não, Sr. Smith. O Sr. Canning chegou mais cedo, mas saiu um pouco antes do senhor chegar ― relatou o Sr. Alfred sempre olhando em minha direção com olhos curiosos.
      ― Esta é a Srta. Jennifer Canning. ― O Sr. Smith olhou para mim. ― Srta. Canning, esse é o Sr. Alfred, é ele quem comanda tudo na casa, seu pai confia muito nele. O que a senhorita precisar é só pedir ao Sr. Alfred, ele sabe onde está tudo nesta casa.
       ― Seja bem-vinda, Srta. Canning, espero que tenha feito uma boa viagem. O Sr. Canning estava muito ansioso por sua chegada.
       ― Obrigada, Sr. Alfred.
       Ele estava tão ansioso por minha chegada que nem se deu ao trabalho de me esperar, pensei. Me senti um pouco decepcionada ao chegar e não encontrá-lo na casa.
       ― Sr. Alfred, mande a Srta. Claire levar a Srta. Canning até seu quarto. A Srta. Canning deve querer um banho depois dessa longa viagem que fizemos, e depois mande preparar algo para comermos. ― Virou-se em minha direção e disse: ― Preciso me ocupar com alguns assuntos importantes antes que seu pai volte. Nos veremos na hora do almoço.
       O Sr. Smith fez uma reverência e entrou em uma porta que ficava no corredor do hall.
       ― Irei chamar a Srta. Claire, ela a levará até seus aposentos e a ajudará com o banho.
       O mordomo partiu entrando em um outro corredor. Fiquei parada no hall sem saber o que fazer ou para onde ir. Olhei tudo ao redor, depois olhei para o teto, para as portas, tudo era tão novo para mim. Fui andando para o fundo do hall e vi uma escada em forma de caracol que levava ao andar de cima. Quando olhei para o meu lado direito, vi uma porta que estava entreaberta, ao olhar dentro da sala vi um pedaço de um quadro em uma parede. Caminhei lentamente e abri a porta.
       ― Olá... Tem alguém aí? ― perguntei mas não houve resposta.
       Como ninguém respondeu, entrei na sala. A sala era muito bem mobiliada, os móveis eram juntos um dos outros, havia bastante móveis naquela sala. À minha frente tinha uma lareira e em frente à lareira tinha três poltronas e cada poltrona tinha uma mesinha com lindos castiçais. No meu lado direito tinha uma mesa grande, com vários papéis em cima dela, duas cadeiras ficavam em sua frente. Do outro lado uma grande estante que ocupava toda a parede, e nela tinha vários livros.
       Olhei novamente para o quadro que ficava na parede em cima da lareira. Eu sabia quem ela era, já tinha visto aquela imagem em vários quadros na casa dos meus avós, Julie Wellington Canning, minha mãe. Mas os quadros que minha avó tinha da minha mãe eram todos dela ainda criança. Nesse quadro ela deveria ter a minha idade. Era tão jovem, tão bonita, era como se fosse um quadro meu, a não ser pelos olhos azuis, iguais aos dos meus avós. A cor dos meus olhos eram iguais ao do meu pai, um castanho bem claro. Tudo nela era perfeito, era impossível parar de olhar aquele quadro.
       ― Você parece muito com ela.
       Me assustei ao ouvir aquela voz atrás de mim. Virei e vi meu pai parado na porta olhando em minha direção. Eu me lembrava bem dele, era um homem muito charmoso, alto. Meu pai tinha a imagem de um homem importante e honrado. Tinha o cabelos pretos, curtos e partido ao lado, quando estava na fazenda o vi algumas vezes sem peruca, agora usava uma peruca preta pequena. Era um homem magro, andava muito ereto e com passos firmes.
       ― Desculpe se a assustei, não era minha intenção.
       ― Não me assustei ― tentei me acalmar, não queria gaguejar. ― Desculpe entrar assim, a porta estava aberta.
       Meu pai era um homem muito bonito, um pouco acabado pelo tempo, e talvez pelas preocupações, já que era um advogado. Ao vê-lo ali, lembrei da primeira vez que o vi na fazenda dos meus avós quando eu tinha quinze anos. Lembro que me senti intrigada com aquele homem que era meu pai, mas que eu não conhecia. O que eu deveria sentir por ele? A mesma pergunta me veio agora ao vê-lo novamente.
       ― Tudo bem, Jen, você pode entrar em qualquer sala que quiser, a casa também é sua.
       Ao ouvi-lo me chamar de Jen, me pareceu estranho, só meus avós me chamava assim. Olhei para o quadro.
      ― Eu só tinha visto quadros da minha mãe quando ela ainda era criança.
      ― Esse quadro foi pintado um ano depois que nos casamos, foi um presente de casamento dela.
       ― Dela para o senhor?
       ― Sim. ― Ele foi até a mesa e mexeu em alguns papéis. ― Ela estava grávida de você nessa época ― disse sem olhar para mim.
       Olhei novamente para o quadro. Sem saber explicar o porquê, me senti feliz em saber daquele detalhe. Ela parecia tão feliz no quadro, sorri. Voltei a olhar para o meu pai. Tinha parado de mexer nos papéis e olhava para mim.
       ― Seu sorriso é igual ao dela.
       Senti dor naquelas palavras, talvez ele ainda a amasse e sentisse sua falta.
       ― Srta. Canning.
       Nós dois olhamos para a porta ao mesmo tempo, uma jovem estava parada olhando em minha direção. Parecia muito espantada ao olhar para o quadro e  para mim e perceber a grande semelhança entre nós duas.
       ― Jen, essa é Claire. Ela será sua criada particular. O que precisar e só lhe dizer. Claire, leve minha filha até seu quarto.
       A criada fez uma mesura para o meu pai.
       ― Agora mesmo, Sr. Canning. Venha comigo por favor, senhorita, a levarei até seu quarto.
       Olhei para meu pai.
       ― Obrigada. ― O cumprimentei com um aceno de cabeça e saí da sala indo atrás de Claire.
       Segui a criada em silêncio. Quando chegamos no quarto, ela me deixou sozinha e foi preparar o banho.
       Olhei para o quarto que a partir daquele momento seria meu. Ele era menor que o meu quarto na fazenda, tinha poucos móveis, apenas uma cama que ficava no meio do quarto, uma penteadeira e uma tina, onde eu tomaria meu banho. No quarto tinha duas janela, mas que estavam fechadas e cobertas por pesadas e escuras cortinas, o que deixava o quarto na completa escuridão. Na fazenda, sempre pela manhã, Polly abria as corti­nas, sempre gostei de ver o céu ao acordar. Fui até a janela e abri as corti­nas com certa dificuldade, depois fui até a penteadeira e apaguei as velas que estavam no candelabro. O dia estava claro e quente, era um lindo dia de verão. As janelas eram bem grandes, o que deixava bastante claridade entrar, não precisava de velas durante o dia.
       Quando a criada entrou no quarto, olhou para a janela e ficou surpresa ao ver as cortinas abertas, mas não disse nada. Uma criada seguia Claire em silêncio, levava dois baldes. Quando a criada saiu, Claire veio me ajudar a tirar o vestido para que eu pudesse me banhar.
      ― A senhorita parece muito com sua falecida mãe, é tão bonita quanto ela.
       Eu a olhei e sorri, seu elogio tinha sido de coração.
       ― Obrigada, Claire.
       ― Eu sei que tudo deve ser muito diferente para a senhorita, mas com o tempo se acostumará com tudo.
       Claire me lembrava Polly, que sempre falava com calma e me tratava com carinho. Sempre sabia quando eu estava triste ou com problemas.  Sentiria muito a falta de Polly. Ao pensar no Sr. Valente, lembrei que tinha esquecido de brigar com meu pai por ele tê-lo vendido, mas de repente não tive mais vontade de brigar com ele.
      ― Sempre que precisar de algo é só tocar a campainha que virei imediatamente ― apontou para uma corda que tinha perto da cama.
       ― Eu tocarei.
       ― Venha senhorita, a água já está fria, vou ajudá-la a se vestir.
       Enquanto Claire me ajudava a colocar o vestido, lhe fiz uma pergun­ta:
       ― Claire, vem alguma mulher aqui por causa do meu pai? ― perguntei encabulada.
       ― A senhorita quer saber se seu pai tem alguma mulher? ― perguntou sem rodeio e olhou para mim.
       ― Sim, é isso mesmo que quero saber.
       ― Não, senhorita. Desde que vim trabalhar aqui, e isso já faz muitos anos, as únicas mulheres que vem aqui são as mulheres dos amigos do seu pai. A senhorita quer saber mais alguma coisa?
       ― Sim, por que as janelas estão todas fechadas?
       ― O Sr. Canning gosta assim, eu não sei bem o porquê. Acho que ele gosta do silêncio. É assim desde que cheguei aqui.
    ― Acredita que ele se importará se minha janela for aberta durante o dia? Gosto da claridade.
    ― Acredito que não senhorita, o quarto é seu. Quer que eu abra nos dias quentes?
    ― Quero sim, Claire.
       Enquanto Claire me ajudava a colocar o vestido, voltei a pensar em meu pai e em minha mãe. Será que meu pai ainda amava tanto minha mãe, por isso não tinha voltado a casar? Tinha tantas coisas que gostaria de perguntar a ele, mas ainda não me sentia à vontade para lhe fazer perguntas.
       Meus pensamentos foram interrompidos por uma batida na porta. Claire foi atender, era o mordomo avisando que meu pai estava à minha espera para almoçarmos.
       ― A Srta. Canning já vai descer, Sr. Alfred.
       Quando terminei, desci com Claire que me levou até a sala de jantar. Como todos os outros cômodos a sala de jantar também era muito espaçosa, mas com poucos móveis. A sala tinha uma grande mesa que ficava no meio da sala e uma aparador longo no canto de uma das paredes. Meu pai e o Sr. Smith estavam à minha espera do outro lado da sala conversando, meu pai estava muito sério. Assim que entrei na sala os dois me olharam, mas era o olhar do meu pai que me deixava nervosa, eu ainda não sabia o que sentir por ele, e como me comportar em sua presença.
       ― Venha, Jen, sente-se aqui ― indicou a cadeira do seu lado direito.
       Quando cheguei perto da cadeira ele a afastou para que eu pudesse sentar. Os dois homens se sentaram e os criados começaram a nos servir. Meu pai disse logo depois da refeição começar.
       ― Confirmou a presença da minha filha nos próximos bailes que terá na cidade, Peter?
       ― Está confirmado, Sr. Lewis. E amanhã o Sr. Johnson virá com sua família para o jantar, para conhecer a Srta. Canning.
       ― Jen, amanhã poderia não usar esse vestido preto? ― olhou para meu vestido como se ele o desagradasse.
       ― Mas pai, estou de luto por minha avó.
       ― Tudo bem, querida, mas durante os bailes não usará um vestido preto, está bem?
       ― Mas isso não é certo.
      ― Não encontrará um bom marido escondida atrás desses panos pretos. Durante os bailes usará algo mais colorido, nos outros dias poderá usar esses vestidos pretos.
       ― Mas pensei que o senhor esperaria pelo menos um ano até me encontrar um marido, pelo menos até passar o luto por minha avó.
       ― Jen, você já tem dezoito anos, e ano que vem terá dezenove, cada ano que passar ficará mais difícil encontrar um bom partido para você.
       ― Por favor, pare de me chamar de Jen. Meus avós me chamavam assim ― disse irritada.
       ― Eu e sua mãe também a chamávamos assim.
       Disse e levantou-se, jogando o guardanapo na mesa. Olhei para o Sr. Smith que me olhava sério. Não queria ter magoado meu pai, mas ele me magoou primeiro não se importando com o meu sofrimento pela morte da minha avó.
       Quando terminei o almoço fui para o meu quarto e fiquei lá durante toda a tarde. À noite Claire veio para me levar para o jantar. Ao chegar na sala somente o Sr. Smith estava presente, ele disse que meu pai teve uma reunião de trabalho na casa de um cliente. Queria poder me desculpar com ele pelo o que tinha acontecido durante o almoço, mas não o vi mais naquele dia.
       Ao me deitar para dormir pela primeira vez naquela cama, eu chorei. Me sentia sozinha, sentia falta de todos da fazenda, principalmente da minha avó, sentia tanto a falta dela. Ainda não sabia o que pensar sobre o meu pai, não sabia o que sentir por ele. Por enquanto ele era só um estranho para mim.
       Tudo era tão diferente da fazenda. Todos me olhavam tão sério, diferente do modo como as pessoas na fazenda me olhavam, sempre brincando comigo, sorrindo. Tudo aquilo parecia um pesadelo. Tudo o que eu queria era que aquele pesadelo terminasse.



                 Conhecendo um Escocês


   No dia seguinte, depois que Claire terminou de ajudar a me ar­rumar, pedi a ela que me levasse até a cozinha para conhecer os outros empregados da casa. Chegando na cozinha me deparei com uma linda cozinha, muito bem organizada, bem ampla e arejada. Quando en­trei, todos pararam o que estavam fazendo e olharam para mim.
       ― Essa é a Srta. Jennifer, a filha do Sr. Canning. Ela veio para conhecer a todos ― disse Claire animada.
       ― Por favor, não quero atrapalhar.
       ― A senhorita não está atrapalhando, estamos preparando o café da manhã, a senhorita acordou cedo ― disse a mulher mais velha. ― Eu sou a Sra. Rose, a cozinheira da casa.
      ― É um prazer conhecê-la, Sra. Rose. Eu sempre acordava bem cedo quando estava na fazenda dos meus avós, gostava de ajudar na cozinha. Aprendi muitas coisas com a Sra. Bell, a cozinheira da fazenda.
       ― A senhorita sabe cozinhar? ― perguntou a Sra. Rose incrédula.
       ― Algumas coisas.
       ― Eu sou Kevin, eu ajudo minha mãe.
       Olhei para baixo e vi um menino franzino, com grandes olhos verdes olhando para mim, deveria ter uns sete anos.
       ― Como vai Kevin, é um prazer conhecê-lo. E quem é a sua mãe?
       ― Sou eu, senhorita. ― Olhei para uma moça que estava no fundo da cozinha. Era a moça que tinha ajudado Claire com os baldes para o meu banho. ― Eu sou a copeira, senhorita, me chamo Mary.
       ― É um prazer conhecê-la, Sra. Mary, tem um filho muito bonito.
       ― Obrigada, senhorita ― olhou para baixo.
       Percebi que a Sra. Mary era uma mulher muito tímida, deveria ter a idade do Sr. Smith. De repente o Sr. Alfred entrou na cozinha e todos começaram a fazer suas tarefas, percebi que todos o respeitava.
       ― Srta. Jennifer, o que faz aqui na cozinha, deseja algo?
       ― Não Sr. Alfred, não desejo nada, só vim até a cozinha para conhecer a todos.
       ― Eu ia procurá-la para dizer que seu pai e o Sr. Smith tiveram que sair cedo e não tomarão o café da manhã com a senhorita. Terá que tomar seu café sozinha. O café logo será servido.
       ― Se meu pai e o Sr. Smith não estarão em casa para o café, então posso tomar meu café aqui mesmo. Não precisam colocar a mesa só para mim.
       Todos me olharam espantados. Eu sabia o que eles deveriam estar pensando, uma dama não toma seu desjejum na cozinha junto com os empregados, mas eu já tinha feito isso tantas vezes na fazenda, ali não se­ria diferente.
       ― A senhorita tem certeza sobre isso? ― perguntou o Sr. Alfred.
       ― Tenho sim, fiz isso muitas vezes na fazenda, acordava cedo e tomava meu café na cozinha e depois saía para cavalgar.
      ― Se a senhorita tem certeza, então tudo bem. ― O Sr. Alfred olhou para todos. ― Então arrume a mesa aqui mesmo na cozinha para a Srta. Jennifer tomar seu café.
       Todos rapidamente arrumaram a mesa o mais simples possível. Enquanto tomava o café, conversei com todos e soube um pouco mais sobre a história de cada um.
       Quando terminei o café fui até o escritório do meu pai para pegar um livro, aproveitei e fiquei por lá. Li o livro sob o olhar protetor da minha mãe. Momentos depois meu pai entrou em seu escritório.
       ― Que bom encontrá-la aqui, Jen. Eu ia mandar Alfred chamá-la.
       Deixei o livro sobre meu colo.
       ― O senhor deseja falar comigo?
       ― Gostaria de lhe fazer um pedido.
       ― Que pedido?
       ― Quero que vá para o seu quarto e fique lá até eu mandar chamá-la.
       ― Fiz algo que o desagradou?
       ― Não, Jen. É que vou receber uns amigos e não quero ser incomodado.
       ― Eu irei para o meu quarto. Posso levar o livro comigo?
       ― É claro, querida. Lembre-se que a casa também é sua, e tudo o que está dentro dela.
       Levantei e fui para o meu quarto.
       Por causa da reunião do meu pai tive que almoçar sozinha em meu quarto. Estava fazendo uma tarde muito bonita naquele dia, era uma linda tarde de verão. Uma tarde linda demais para ficar trancada em meu quarto. Talvez a reunião já tivesse terminado e meu pai tivesse esquecido de mandar me avisar. Resolvi descer.
       Quando cheguei no final da escada, ouvi vozes vindo do escritório, ao que parecia a reunião não tinha terminado, resolvi voltar para o quarto e esperar que alguém fosse me chamar, não queria atrapalhar a reunião
       ― Muitos que antes estavam do nosso lado, agora não estão mais. Dizem que está demorando muito para acontecer. O governo está sempre prendendo alguém, estão ficando com medo. O príncipe também anda muito impaciente com a demora.
       ― Precisamos de mais tempo para organizar tudo e conseguir mais dinheiro. ― Ouvi a voz do meu pai.
       Olhei para a escada e pensei. Príncipe? De que príncipe eles estariam falando?
       Voltei a olhar e vi que ele estava parado com os braços cruzados em frente ao peito, seu semblante era de preocupação. Tinha o porte de um líder. Seus braços eram tão fortes que a manga do seu casaco estava muito apertada, marcando seus músculos fortes. Eu perguntei a mim mesma em pensamento. E se ele fosse o meu pretendente? E se nos casássemos, será que seríamos felizes? Conseguiria fazer com que ele me amasse todos os dias e cada vez mais? Eu o amaria a cada dia mais? Por ser tão forte, ele me protegeria? E por ser tão lindo, será que ele teria muitas amantes, e me faria infeliz? Ele é tão lindo, talvez eu o escolhesse para ser o meu marido. Ao pensar nisso sorri.
       De repente ele olhou para a porta e rapidamente me escondi atrás dela, corri para debaixo da escada e fiquei quieta. Ouvi o barulho da porta ao abrir e passos no corredor.
       ― O que foi?
       Reconheci a voz do meu pai.
       ― Tinha alguém aqui.
       ― Não tem ninguém aqui, rapaz. Na casa só tem minha filha que está em seu quarto e os criados que não viriam aqui. Vamos voltar para a sala.
       Esperei um pouco até ter certeza que eles tinham entrado na sala e subi para o meu quarto. Ao chegar no quarto sentei na cama e coloquei a mão em meu coração, estava acelerado pela aventura. Quase tinha sido pega olhando pela porta. Comecei a ri da aventura que tinha acabo de ter. Deitei na cama e olhei para o teto. Pensei no homem que vi naquela sala, nunca pensei tanto em um homem como estava pensando nele, eu precisava saber quem era aquele homem. Será que ele é casado? De repente a porta abriu e Claire entrou, levei um susto e comecei a ri. Claire me olhou sorrindo.
       ― O que houve, Srta. Canning?
       ― Eu estava tão distraída que me assustei com sua entrada.
       ― Desculpe senhorita, não queria assustá-la.
       ― Está tudo bem, já passou.
       ― O Sr. Canning mandou avisá-la que é para a senhorita se arrumar porque o Sr. Johnson e sua família chegarão a qualquer momento.
       ― Quem são os Johnson, Claire?
       ― O Sr. Johnson é primo do Sr. Canning, primo da senhorita também. O Sr. e a Sra. Johnson tem três filhos. Que vestido a senhorita usará.
       ― Aquele que está na cadeira ― apontei para o vestido.
       ― Mas senhorita, ele é preto!
       ― Estou de luto, Claire. Só usarei um vestido de outra cor quando for aos bailes, fora isso eu continuarei de luto.
       ― Seu pai não gostará nada disso.
       ― Eu me entendo depois com ele.
       Horas depois desci para esperar pela família Johnson. Quando entrei na sala meu pai olhou para mim e depois para o vestido, não disse nada, mas vi que ele não gostou.
       Quando a família Johnson chegou as apresentações foram feitas, depois fomos para a sala de estar para que todos me conhecessem melhor.
       O Sr. e a Sra. Johnson eram pessoas muito agradáveis. A Sra. Johnson estava sempre sorrindo, imaginei se minha mãe também seria assim, uma mulher agradável e sorridente. Ester Johnson, a filha mais nova dos Johnson, não parou de falar desde que foram feitas as apresentações. Ela me puxou para um canto da sala e começou a tagarelar sobre várias coisas. Es­ter era baixa, um pouco gordinha, muito sorridente como sua mãe. Tinha cabelos castanhos claros, como de sua mãe. Os homens não saberia dizer, pois os três estavam usado perucas.
       ― Estou tão ansiosa para o nosso primeiro baile. Você já escolheu o vestido que usará? Será que vamos conhecer os nossos pretendentes logo no primeiro baile? Não vejo a hora de chegar o baile e dançar com todos os rapazes de Londres. Você também está ansiosa?
       ― Um pouco...
       ― Eu quase não durmo de tão ansiosa. E se ninguém quiser dançar comigo, prima? Se isso acontecer acho que morro.
       ― Tenho certeza que isso não acontecerá, prima Ester.
      ― Tenho tanto medo que isso aconteça. Eu quero dançar muito. Você é tão linda, prima, que não terá esse problema, eles farão fila para dançar com você.
       ― Coitado dos pés desses rapazes ― implicou James com sua irmã.
       James é o filho mais velho dos Johnson. Um homem muito bonito e com uma expressão séria, sempre me olhando pelo canto dos olhos. Ele é o tipo do homem que minha avó sempre me aconselhava a manter distância, ela dizia que tipos como meu primo James sempre se casava depois de um grande escândalo. James era um pouco mais alto que eu, tinha um  rosto marcante. Como sua irmã, ele também tinha olhos pretos. No começo me senti um pouco desconfortável em sua presença, ele não parava de me olhar. Mas depois resolvi não me importar com os seus olhares, ele só deveria estar curioso a meu respeito, como eu estava curiosa a respeito de toda sua família.
      ― James é sempre tão desagradável. Parece que os homens quando estão apaixonados ficam todos bobos. ― Ela olhou para mim e me confi­denciou baixo, mas não tão baixo que seu irmão não ouvisse. ― Ele está apaixonado por Lucy Poynter. Papai e o pai dela estão conversando sobre a melhor data para que eles fiquem noivos, o casamento será ainda esse ano para abafar o escândalo.
       ― Você é uma menina muito intrometida, irmãzinha. Não devia ficar chateando nossa prima com suas tolices.
       ― Eu não sou menina, e também não sou chata. ― Ester cruzou os braços e ficou emburrada.
       Olhei para James e vi que minha avó estava mesmo certa.
      ― Meu Deus! Mas eles não esperaram nem o final do jantar para começarem suas brigas. ― Jones sorriu para mim. ― Não se preocupe, prima, eles são assim mesmo, estão sempre brigando. Fora do normal seria eles não brigarem. Com o tempo você se acostumará com tudo isso.
       Lhe devolvi o sorriso. Meu primo Jones tinha um rosto gordinho, como o seu corpo. O seu rosto gordinho lhe dava uma aparência de menino. Diferente de James seus irmãos não eram bonitos, mas tanto Ester como Jones pareciam muito simpáticos.
       ― Venha, prima. Deixe os dois brigando, vamos ver a noite.
       Jones me levou para a varanda da sala que estava aberta especialmente por causa do jantar. A noite estava fresca, não ventava.
       ― Você gosta de cavalgar, prima Jennifer?
       ― Gosto muito, Jones. Na fazenda dos meus avós era o que eu mais fazia. Sempre que dava eu fugia das minhas obrigações de menina e saía cavalgando, e quando chegava levava a maior bronca dos meus avós, mas valia apena. ― Fiquei muito feliz com a pergunta de Jones. ― Eu tinha um cavalo, seu nome era Sr. Valente. Ninguém conseguia montá-lo, só eu.
       ― E por que não o trouxe para Londres?
       ― Eu não pude ― olhei para o céu ao lembrar do momento que me despedi do Sr. Valente, foi um momento muito triste. Voltei a olhar para Jones. ― O cavalheiro que comprou a fazenda, comprou com tudo dentro. Os criados conhecem bem o gênio que ele tem, cuidarão bem dele.
       ― Parece ser um cavalo bem teimoso. ― Rimos. ― Se você quiser podemos cavalgar no Park Green, gosta de apostar corrida?
       ― Claro que gosto ― disse animada com o convite. ― Eu ficaria muito feliz em voltar a cavalgar.
       ― Eu e que ficarei feliz em tê-la como companhia. Ester não gosta de cavalgar comigo, ela diz que eu corro muito. E James e papai nunca tem tempo para cavalgar. Falarei com seu pai se posso passar aqui amanhã para levá-la para cavalgar.
       Fiquei tão feliz com o convite de Jones que não me contive e o beijei no rosto. Ele me olhou espantado. Ficamos em silêncio por alguns instantes e depois caímos na gargalhada. Eu tinha certeza que era o começo de uma grande amizade.
       Voltamos para sala, estavam todos na mesmas posições. Olhei para o canto onde estava Ester e James e vi que eles ainda continuavam discutin­do.
       ― Primo Lewis, o jantar não será servido? ― perguntou Jones sem nenhuma cerimônia.
       ― Jones... o que é isso, meu filho? Isso não são modos de um cavalheiro ― ralhou sua mãe.
       ― Mãe... estou com fome.
       ― Quando é que você não está com fome, Jones? ― James veio do seu canto para implicar com seu irmão mais novo.
       ― Não brigue com Jones, prima Charlotte. ― Meu pai virou-se para Jones. ― O jantar já será servido, Jones. Só estamos esperando dois amigos.
       ― Quem é, primo Lewis? ― perguntou Ester curiosa.
       ― Eu só espero que não seja nenhum escocês, primo.
       ― Desculpe decepcioná-la, prima Charlotte, mas meus amigos são es­coceses ― disse sorrindo.
       A Sra. Charlotte olhou para seu marido muito séria.
       ― Eu espero que vocês não conversem sobre aquele assunto durante o jantar. Estamos aqui para conhecer a prima Jennifer.
       O Sr. Johnson foi até sua esposa, que estava sentada, e colocou a mão em seu ombro para acalmá-la.
       ― Não se preocupe, minha querida, hoje só conversaremos sobre a chegada de nossa querida prima Jennifer. ― Eles se olharam e sorriram, depois olharam para mim. Sorri sem entender direito aquela conversa.
       Olhei aquela linda cena e depois olhei para o meu pai que estava conversando com James. Será que ele e minha mãe também se tratavam assim com tanto carinho? Talvez algum dia fôssemos bastante amigos para conversarmos sobre isso, gostaria muito de saber como ele tratava minha mãe. E o que seria aquele assunto que a Sra. Johnson não queria que eles falassem durante o jantar? Fiquei muito curiosa para saber, depois tentaria saber com Jones, ele parecia uma pessoa que não me esconderia nada.
       Nesse momento alguém bateu à porta. Deveria ser o casal de escoceses que meu pai estava esperando. Estava ansiosa para conhecer esses escoceses. Nunca antes tinha visto um escocês, apesar de morar quase na fronteira da Escócia com a Inglaterra. Meus avós às vezes falavam sobre eles, sempre diziam como eles eram bárbaros e ignorantes, tudo o que pensavam era em brigas, por isso sempre estavam em guerra com a Inglaterra. Eles diziam que os homens usavam saias em vez de calções como todos os homens. Eu me lembro que na época eu achei engraçado ao pensar em homens usando saias como nós mulheres. Meu avô dizia que as mulheres escocesas eram feias e burras, e que todos os escoceses eram mau cheirosos. Eu não podia entender como meu pai podia ter amigos assim. Durante muito tempo fiquei curiosa para ver um bárbaro escocês, mas o tempo foi passando e a curiosidade também, mas agora estava curiosa novamente, estava muito ansiosa por aquele encontro.
       Todos ficaram em silêncio esperando pelo casal de escoceses. Ouvi passos vindo do corredor, eram passos firmes e fortes. Meu coração quase parou ao ver os dois escoceses que pararam na entrada da sala. Não era um casal como eu estava esperando, eram dois homens, dois bárbaros escoceses. Meu coração acelerou ainda mais ao ver que um dos escoceses era o homem que eu tinha visto mais cedo no escritório do meu pai. Ele esta­va ainda mais lindo naquela noite.
       Pude perceber que todos na sala já os conheciam. Começaram os cumprimentos assim que eles entraram na sala. Tentei me acalmar, mas meu coração estava muito agitado com a presença daquele homem. Ele era tão alto e forte que parecia ocupar todo o espaço da sala. Seu amigo não era tão alto e forte como ele, mas também ocupava seu espaço na sala, e também era muito bonito.
       Meu pai ficou ao meu lado e me apresentou todo orgulhoso aos dois homens. Eles eram tão alto que tive que olhar para cima.
      ― Essa é minha filha Jennifer. Jen, esses são grandes amigos ― apontou para o de cabelos escuros. ― Esse é o Sr. Cullen MacLeod, e esse é o Sr. Edric MacLeod ― apontou para o homem loiro.
      ― É um grande prazer conhecê-la, Srta. Jennifer ― disse o Sr. Edric com sua voz rouca e forte, sem sorrir.
       ― O prazer é todo meu, senhor.
       O Sr. Cullen também me cumprimentou, mas diferente do seu amigo, ele sorriu. Os dois eram os homens mais altos da sala.
       ― Será que agora podemos comer? ― perguntou Jones e todos riram.
       Passamos para a sala de jantar.
       ― Primo Lewis, a prima Jennifer poderia sentar ao meu lado? ― perguntou Jones todo dengoso.
       ― Eu também quero que a prima Jennifer fique ao meu lado ― choramingou Ester.
       ― Está tudo bem, tudo pode ser arrumado ― disse meu pai tranquilamente.
       Os lugares agradou a todos. Do lado direito do meu pai ficou o Sr. e a Sra. Johnson, depois Ester, eu e Jones. Do lado esquerdo ficou meu primo James, o Sr. Smith, o Sr. Edric e o Sr. Cullen. Eu fiquei justamente em frente ao Sr. Edric MacLeod, o que me fez ficar mais nervosa.
       O jantar transcorreu tranquilamente com assuntos variados. Durante minhas conversas com os meus dois primos, às vezes olhava para os dois escoceses que estavam à minha frente. Eram tão diferentes de como meus avós os descreveram, eram tão civilizados.
       Eles não estavam de perucas como os outros homens, mas estavam muito bem vestidos, percebi que seus casacos eram novos, pareciam que tinham sido comprados especialmente para aquele jantar. Eles tinham muita educação à mesa, pegavam os talheres como deveriam ser usados. Uma vez minha avó disse que os escoceses comiam com as mãos, que eles não sabiam como usar os talheres. Ao olhar para eles, notei que eles pareciam como qualquer inglês, a não ser pelo modo como falavam que os denunciavam que não eram ingleses.
       O Sr. Cullen MacLeod era moreno, com cabelos castanhos escuros abaixo dos ombros, mas estavam preso por uma fita de cetim. Seus olhos eram castanho escuro com uma grossa sobrancelha. Tinha um olhar meigo que parecia sempre sorrir, quando me olhava levantava as sobrancelhas, o que me dava vontade de ri, pois esse seu jeito gentil não combinava com o seu porte. Era um homem muito bonito, tinha uma rala barba castanha. O Sr. Edric também era um homem muito bonito, o homem mais bonito que já tinha visto em toda minha vida. Seus cabelos eram loiros claros, seu cabelo também ia abaixo dos ombros e também estavam presos por uma fita de cetim, como do Sr. Cullen. Seus olhos eram de um verde tão claro, como nunca tinha visto antes em minha vida, seu nariz arrebitado era perfeito. Tinha uma barba rala que combinava com a cor dos seus cabelos, tinha os lábios finos e rosados, com um queixo quadrado, igual ao formato do seu rosto. Seus ombros eram largos, mesmo com toda aquela roupa eu podia ver que seu peito era forte, cada vez que ele respirava eu podia ver que seu colete se esticava. Era quase impossível não olhar para ele.
       ― Prima, é feio ficar encarando as pessoas ― disse James sorrindo.
       Me assustei com o comentário de James. Fiquei envergonhada por alguém ter visto como eu prestava atenção aos escoceses. Abaixei a cabeça envergonhada, senti minhas bochechas queimarem.
       ― Não se preocupe senhorita, ser observado por uma moça tão linda, não é nada ruim ― disse o Sr. Cullen e todos riram, menos o Sr. Edric e meu pai que estavam muito sérios.
       Meu pai sabia o que meus avós pensavam sobre os escoceses, ele sabia o que deveria estar passando por minha cabeça, e pelo modo que me olha­va vi que ele não estava nada satisfeito com aquilo. Naquele momento tudo o que eu queria era que aquele jantar terminasse.
       Ao olhar rapidamente para o Sr. Edric, vi que seu olhar era o mesmo que do meu pai. Percebi que ele não gostava de ser observado como se fosse uma aberração, mesmo que fosse por uma linda moça, como disse o Sr. Cullen.
       Meu primo Jones veio ao meu auxílio e perguntou ao meu pai:
       ― Primo Lewis, eu queria lhe fazer um pedido.
       ― Pois então faça, Jones.
       ― Gostaria de saber se posso vir amanhã buscar minha prima Jennifer para fazermos uma passeio a cavalo? Ela me disse que gosta de cavalgar. Eu poderia levá-la para conhecer alguns parques da cidade.
       Senti o olhar do escocês Edric em cima de mim, eu não queria olhar para ele, mas como se seu olhar me atraísse, virei e o olhei. Seu olhar era hipnotizante, apertei a saia do meu vestido por baixo da mesa, aquele olhar me deixava nervosa. Com muito esforço desviei o olhar.
       ― Você gostaria, Jen? ― perguntou meu pai.
       ― Gostaria. Na fazenda eu cavalgava quase todos os dias. Estou algum tempo sem cavalgar. Ficaria muito feliz de cavalgar novamente.
       Senti que o Sr. Edric continuava a me olhar. Disfarcei e olhei em sua direção, pude ver que seu amigo lhe deu uma cotovelada para que ele parasse de olhar em minha direção. Tive que disfarçar um pequeno sorriso que brotou em meus lábios.
       Depois do jantar passamos para a sala de estar. Vi minha prima em um canto e fui falar com ela.
       ― O que faz aqui sozinha, Ester?
       ― Admirando ― disse sorrindo.
       Olhei para onde ela estava olhando, ela olhava para o Sr. Cullen.
       ― Ele é lindo não é? Um homem perfeito para flertar.
       ― Seu pai nunca deixaria que se casasse com ele.
       Ela me olhou espantada.
       ― E quem disse que quero me casar com ele, prima. Os escoceses não são para casamento, só para flertes. Ainda tem muito o que aprender prima.
       Jones juntou-se a nós e começou a falar sobre os planos para os nossos passeios. Sempre que olhava para Ester ela estava olhando para o Sr. Cullen, que também a olhava. Percebi que ele estava gostando dos olhares de Ester. Olhei para o Sr. Edric, mas ele não olhou mais para mim. Quem não tirou os olhos de mim foi meu primo James, era como se ele quisesse me dizer algo, mas eu não consegui entender.
    Momentos mais tarde, deitada em minha cama, me sentia feliz por aquele jantar ter terminado. Gostei de conhecer a família Johnson, gostei muito de conhecer meus primos, principalmente Jones e Ester. Também gostei de conhecer os escoceses, eles eram bem diferentes do que tinha imaginado. Sorri ao pensar naquilo. Estava feliz que amanhã voltaria a ca­valgar. Sentia muita saudade do Sr. Valente. Adormeci pensando nas aven­turas que vivi com o Sr. Valente na fazenda.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Novo Romance da Autora Marcia Pimentel


Olá, meus amigos e leitores!

No momento estou trabalhando em dois livros. Estou escrevendo o último livro da saga As Crônicas de Theranã e um livro de romance histórico Marcados Pela Lembrança. O primeiro livro já coloquei no Wattpad já tem um tempinho. É um livro que vou escrever aos poucos, talvez só termine no final do ano. Por que isso? Eu dei uma revisada no manuscrito do livro, que já estava escrito desde o primeiro livro, e vi que precisava de mais ação, por isso estou reescrevendo todo o manuscrito. Por esse motivo estou demorando um pouco mais para colocar os próximos capítulos no Wattpad. Mas não se preocupe, no final valerá a pena. Para saber mais sobre o livro As Crônicas de Theranã O Reino Prometido, clique no link: http://marcia-pimentel.blogspot.com.br/2016/01/livro-as-cronicas-de-therana-o-reino.html

Agora vamos falar sobre o livro Marcados Pela Lembrança, título escolhido pela minha filha Karine. É um romance histórico que se passa nas Terras Altas da Escócia, as Highlands, no final do século XII. O romance começa no Castelo Dunakin, lar do clã MacKinnon, clã ao qual pertence nossa mocinha, Rossilyn MacKinnon, que tem apenas 13 anos, e que tudo o que quer é brincar com os primos de correr pelas colinas de Kyleakin. 
Uma guerra está para acontecer na Ilha de Skye e os clãs começam a fazer alianças para derrotar o poderoso conde Desmond Campbell, que quer ser o senhor de toda a ilha. Para isso os clãs mais poderosos da ilha começam a fazer aliança com os clãs menores, para assim conseguirem mais guerreiros para a batalha. E Rossilyn é obrigada a se casar com um desses guerreiros, que tem quase o dobro de sua idade.
Em outra parte da ilha, Alec MacMorran, um guerreiro de 23 anos, recebe a notícia do pai, o chefe do clã, que terá que se casar com uma menina de 13 anos. Alec, como Rossilyn, não fica feliz com o casamento, mas sabe que é seu dever como próximo chefe do clã MacMorran, fazer um bom casamento, um casamento que seja vantajoso para o seu clã. E se casar com uma MacKinnon trará muitas vantagens e prestígio para o clã MacMorran. Por isso, que mesmo contra sua vontade, Alec se casa com a menina Rossilyn.
Mas algo acontece durante a noite de núpcias que faz com que os dois se sintam atraídos e comecem a aceitar mais facilmente o casamento entre eles. Durante a noite de núpcias eles serão marcados. E é a lembrança dessas marcas que os farão suportar os anos de separação que a guerra lhes irá impor.

Castelo Dunakin, lar do clã MacKinnon

O Livro ainda não tem uma capa, mas já estão trabalhando para isso.
O Título é Marcados Pela Lembrança
Sinopse:
Para que seu clã faça uma aliança com um clã poderoso da Ilha de Skye, o guerreiro das Terras Altas da Escócia Alec MacMorran, terá que se casar com um menina de 13 anos.
Para honrar a palavra do pai e ajudar seu clã contra o conde Desmond Campbell, que deseja tomar a Ilha de Skye e fazer de seus habitantes seus vassalos, Rossilyn MacKinnon aceita se casar com um homem que tem quase o dobro de sua idade.
O casamento acontece e, para espanto dos dois, eles acabam se entendendo.
Ao ver Alec pela primeira vez, Rossilyn se encanta com o guerreiro com quem vai se casar. Alec se encanta perdidamente pelos olhos de sua esposa sem saber que é ela.
E durante a noite de núpcias algo acontece e os uni. Eles serão marcados pela lembrança daquela noite. Lembranças que viverão durante os anos separados que guerra irá impor. Lembranças que vão marcá-los de uma forma que os unirá para sempre. 


 
Em breve os capítulos serão colocados no Wattpad.
 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A Amazon.com.br Está Comemorando Três Anos


A Amazon.com.br está comemorando três anos. E a partir dessa semana o site dará 80% de desconto em milhares de Ebooks. Aproveite. Alguns dos meus livros entrará nessa promoção que o site fará.

Venha comemorar junto comigo e com todos os autores brasileiros que publicam na Amazon. 

A cada ano que passa mais brasileiros adquirem o hábito de ler no formato digital. Por esse motivo o site da Amazon no Brasil é um grande sucesso.

 


sábado, 23 de janeiro de 2016

OS OSSOS NA CAVERNA Grátis na Amazon


Estou chegando com mais uma promoção na Amazon.com.br. Dessa vez o livro OS OSSOS NA CAVERNA estará em promoção no site. O livro estará grátis por um dia, 24/01, no site. Aproveite para ler essa história de amor que transcenderá ao tempo. 

Sinopse:
A vida de Bruna mudará depois que um amigo consegue um estágio para ela trabalhar com o melhor arqueólogo na Escócia, em um sítio onde dois esqueletos foram encontrados. Ao entrar na caverna onde estão os esqueletos, Bruna sente que tem uma ligação com eles. E mais uma mudança a aguarda na Escócia. Depois de tanto procurar por um homem que pudesse se entregar plenamente, ela encontrará o conde Gillyan MacKenzie. Gillyan, como Bruna, nunca conseguiu se entregar em uma relação, mas assim que vê sua assistente pela primeira vez, seu coração a reconhece de seus sonhos. Bruna também sentirá uma forte atração por Gillyan, mas algo dentro dela lhe diz para ficar longe dele. E ao viajar no tempo, Bruna descobrirá o segredo dos esqueletos na caverna e também um segredo que ronda a vida de Gillyan MacKenzie e todos os chefes do clã MacKenzie. 

Link do Livro:

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

APAIXONADA POR UM HIGHLANDER está grátis na Amazon!!!!

Você ainda não leu APAIXONADA POR UM HIGHLANDER?

Então aproveite para ler. Corre até o site da amazon.com.br e baixe grátis o livro.

Mas essa promoção é somente até a meia-noite de hoje. Então aproveite!!!!

Sinopse do livro APAIXONADA POR UM HIGHLADER:
Há poucos dias de fazer os votos e se tornar uma freira, Isobel Grant é informada por seu pai, que até aquele momento nunca o tinha visto, que teria que deixar o convento e se casar. Ao chegar no Castelo Corpach ela conhece Lorde Tohran Cameron, o senhor do castelo e Chefe do clã Cameron de Corpach. Mesmo com toda a arrogância de Tohran, o coração de Isobel o reconhece como seu grande amor. Tohran não está nada feliz com aquele casamento, por uma ordem do rei ele terá que se casar com a filha do seu inimigo. Isobel e Tohran travarão batalhas em seus corações e batalhas reais. Tohran terá que lidar com a traição de alguém de seu próprio clã. E Isobel travará uma luta com sua própria família. Essas batalhas só serão vencidas se eles lutarem juntos. 

Link do livro:

 

domingo, 17 de janeiro de 2016

Resenha do Livro: Tentação Perigosa - Terri Brisbin


Mais uma resenha aqui no blog.
Já tem um tempo que li o livro, mas estava sem tempo para fazer a resenha. 
Espero que gostem da minha resenha sobre o livro de Terri Brisbin.

Sinopse:
Amaldiçoado por tragédias do passado, Athdar MacCallum, laird das Terras Altas, se dedica a liderar seu povo. Ele jurou nunca mais se casar. Até ser totalmente subjugado pela beleza inocente dos olhos de Isobel Ruriksdottir... a vulnerabilidade de Athdar a atrai. Isobel percebe um ponto fraco por trás da fachada destemida do chefe do clã. Mas a reputação dele se transforma em um obstáculo. Ceder à tentação os colocará em perigo. Ainda assim, é impossível ignorar o desejo de arriscar tudo em nome da paixão.

Minhas Resenha:

Athdar é um homem atormentado por um erro que cometeu quando ainda tinha 7 anos. Por causa desse erro ele acredita que é amaldiçoado, pois perdeu duas esposas e uma noiva para a morte. Por isso ele está decidido a nunca mais se casar. Mas a chegada da decidida Isobel ao seu castelo abalará a determinação de Athdar de voltar a se casar. E isso ficará ainda mais difícil porque Athdar também está apaixonado por Isabel. E por causa de um engano, eles acaba se casando. E sem conseguir ficar longe de Isobel, Athdar consuma o casamento e por causa disso ele poderá perder a vida pelas mãos do pai de Isobel, que o odeia desde que ele era um garoto. Um mistério ronda a vida de Athdar, e para salvar o marido, Isobel começa a investigar a morte de suas esposas e se colocará em perigo por causa de suas descobertas.

No começo me deu raiva de Athdar por fazer de tudo para ficar longe de Isobel, que estava louca para ser sua esposa. Mas aos poucos ele deixa deixa que Isobel entre em sua vida e cuide dele. Isobel é o tipo da mocinha determinada, faz de tudo para ficar com Athdar, seu grane amor.

O mistério que ronda o livro desde as primeiras páginas, não é um grande mistério. Logo no primeiros capítulos começamos a desconfiar de uma ou duas pessoas. E com o passar da leitura começamos a ter certeza de quem é a pessoa que está matando as esposas e futuras esposas de Athdar.

Um bom livro.

Minha Avaliação


 Próxima resenha:
 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Leia os Cinco Primeiros Capítulos do Livro Descobertas


Os cinco capítulos ficarão postados aqui até o dia 16/01.
Aproveitem para começar a ler essa história de amor, amizade, descobertas, traições, dramas familiares. Nesse romance tem de tudo um pouco. Convido a todos para conhecerem Lina e sua turma do Condomínio Tijolinho.
Venha se divertir com Lina, Rosana, Beto, Fernanda, Gustavo, Laurinha e tantos outros personagens que vocês vão poderão se identificar.


Livro: Descobertas 

Sinopse: 
Para fugir de um grande sofrimento, Lina passou um ano longe de sua família e de seus amigos. Mas, com o tempo, ela percebeu que há sofrimentos que nunca terminam. Com a ajuda de sua avó, ela aprendeu a conviver com esse sofrimento. Depois de ficar um ano sem ter contato com sua família e amigos, Lina resolve voltar para o Condomínio Tijolinho e restaurar suas antigas amizades. Durante o jogo Conquistar a Bandeira, ela verá o quanto seus amigos mudaram. Algumas mudanças a deixará feliz, mas outras a decepcionará muito. Ela fará novas amizades e uma delas mexerá muito com o seu coração. Sua volta fará com que novos e velhos segredos sejam descobertos, e Lina terá que enfrentar essas Descobertas.

Capítulo I

O Condomínio



          Lina vê passar pela janela do táxi as ruas do Rio de Janeiro, ele a levará de volta ao lugar de onde saiu há um ano. Enquanto olhava as belas paisagem passar, ela pensava em como tinha sido difícil aquele último ano. Quando se permitia olhar para trás, lembrava de todo o sofrimento pelo qual passou. Ao fechar os olhos uma lágrima de tristeza escorregou por sua face, ela rapidamente limpou o rosto e voltou a olhar para as ruas do Rio. Não podia fraquejar naquele momento, tinha que ser forte. Colocou a mão no peito, sentia que ao se aproximar do condomínio, seu coração batia cada vez mais rápido. Algumas vezes pensou que jamais voltaria. Mas agora estava de volta e teria que enfrentar tudo o que tinha deixado para trás. Por mais que Lina quisesse afastar de sua mente tudo pelo o que tinha passado um ano atrás, ela não conseguia. Parou de lutar com suas memórias, fechou os olhos e deixou que sua mente a levasse de volta a um ano atrás.
    A imagem de sua mãe jogando o telefone no chão depois de receber a notícia que seu pai tinha morrido, nunca saiu de sua cabeça. Lina jamais esquecerá aquele momento. Seu pai estava dando aula quando teve um infarto, não resistiu e morreu na sala de aula. Ao ouvir de sua mãe que seu pai tinha morrido, Lina sentiu seu mundo desabar. O pai era tudo para ela. Era seu amigo, seu confidente, alguém que ela realmente confiava. Henrique sempre dizia que tinha se apaixonado por ela assim que a viu na maternidade. Para Lina, Henrique era o pai perfeito, sempre carinhoso e atencioso com as filhas. Henrique tinha 40 anos quando morreu. Lina ouviu os amigos de seu pai comentarem durante o enterro, que ele era ainda muito novo para morrer. Sim, era ainda muito novo.
    Duas semanas depois da morte do seu pai, ela arrumou suas coisas e disse para sua mãe que não podia morar em um lugar onde lhe trazia tantas recordações de seu pai. Sônia fez de tudo para que ela mudasse de ideia, mas Lina estava decidida a morar com sua avó, mãe de seu pai, em Minas Gerais. Ela foi embora sem se despedir de ninguém. Decidiu durante a noite e na manhã seguinte sua mãe a levou até a rodoviária e a colocou em um ônibus para Divinópolis.
    Abriu os olhos e voltou a olhar as ruas pela janela do carro. A cidade do Rio de Janeiro não mudou nada em um ano, pensou Lina. Ela olhou para o relógio e viu que era 6:00hs da manhã, as pessoas começavam a se preparar para sair de casa e ir para o trabalho. Mais um dia começava na cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro.
    Lina escolheu chegar bem cedo, quando todos ainda estivessem dormindo. Ela não queria encontrar com ninguém pelo Condomínio Tijolinho, onde morava desde que nasceu. Assim que chegou na rodoviária, ligou para sua mãe e pediu que ela avisasse para Elano, o porteiro que ficava na portaria pela manhã, de sua chegada. Não queria ter que parar e se identificar. E foi o que aconteceu, assim que saiu do táxi, colocou o capuz por cima da cabeça e caminhou em direção à portaria. Elano abriu a porta de vidro para que ela passasse. Ele lhe desejou bom dia com um largo sorriso no rosto, como sempre vazia quando a encontrava naquela hora da manhã, ele gostava quando Lina parava e lhe contava como estava o jogo. Lina sempre gostou de conversar com Elano, mas naquele momento ela não queria falar com ninguém, levantou a mão direita e continuou seu caminho em direção à quadra onde ficava o seu prédio.
         Enquanto caminhava em passos largos, ela pensava em Elano. Ele era um grande amigo, sempre que podia ele a ajudava no jogo. Elano trabalhava como porteiro no condomínio há três anos. A amizade deles começou desde o primeiro dia que ele começou a trabalhar. Ela estava sendo perseguida por dois jogadores e com certeza eles a pegaria. Sempre que um jogador entrava na portaria, os porteiros o entregavam dizendo que ele estava escondido lá dentro. O síndico, o Sr. Ronaldo, um senhor de 70 anos que gostava de implicar com a garotada do condomínio, tinha dado ordens para todos os porteiros que dentro da portaria não tinha jogo, se os garotos estivessem jogando, era para mandar que saíssem da portaria. Lina sabia dessa regra, mas se ela não entrasse, com certeza seria pega. Ela tinha que tentar. Lina entrou na portaria e foi para trás do balcão, onde ficavam os porteiros. Abaixou e ficou nos pés de Elano. Ele olhava para ela sem entender. Lina lhe implorou que não lhe entregasse. Ele não a entregou. E desde esse dia eles viraram grandes amigos. Lina sofria por ter passado pela portaria e não ter parado para conversar um pouco com Elano, como sempre fazia. Elano era um rapaz de bom caráter e muito trabalhador. Ele tinha 25 anos. Tinha vindo da Paraíba depois que seu tio, que também era porteiro no condomínio, conseguiu um emprego para ele.


    Dentro do apartamento 306, Sônia andava de um lado a outro da sala, estava muito nervosa com a chegada de Lina. Sônia era uma mulher muito bonita, tinha uma aparência jovem. Tinha os seus cabelos castanhos escuros e ondulados que iam um pouco abaixo dos ombros, Lina tinha os cabelos iguais aos da sua mãe, mas os seus iam até a cintura, seus olhos também eram parecidos com os dela, pretos. Laurinha parecia mais com Henrique, seus cabelos eram castanhos claros e olhos castanhos amendoados, na aparência as duas eram uma mistura dos dois. Sônia tinha 38 anos, mas ninguém lhe dava essa idade, parecia ter dez anos a menos. Mas não era isso que ela achava ao olhar-se no espelho, sentia que tinha envelhecido uns dez anos naquele último ano. Passou por tantos sofrimentos. A morte do marido, o afastamento de Lina. Sônia chegou a pensar que jamais seria feliz novamente. Mas agora com a volta de Lina ela tinha esperança de poder ser feliz novamente.
    ― Calma, mãe! ― pediu Laurinha pela décima vez. ― Daqui a pouco ela está aí. ― Sua mãe estava nervosa desde que recebeu o telefonema de sua avó na noite anterior dizendo que Lina tinha resolvido voltar para casa e que estava levando-a para a rodoviária para colocá-la no ônibus.
    ― Estou muito nervosa, não sei como ela vai reagir quando souber do Antônio.
    ― Mãe, ela não precisa saber sobre o Antônio hoje. Deixe ela se sentir à vontade primeiro, depois a senhora conversa com ela sobre isso.
    Sônia olhou para sua filha caçula e sorriu. Laurinha tinha somente 13 anos, era ainda uma criança, mas tinha amadurecido muito naquele último ano. A morte de Henrique tinha mudado suas filhas. Sônia pensou melhor e viu que Laurinha estava certa, contaria sobre o seu namoro com Antônio depois que Lina tivesse mais à vontade em casa e com ela. Lina teria que entender que ela tinha o direito de refazer sua vida. Teria que entender que ela sempre amaria Henrique, mas que ele tinha morrido e ela não. Ela ainda estava viva e tinha o direito de tentar ser feliz novamente.
    Nesse momento Sônia ouviu o barulho de chave abrindo a porta. Virou e esperou que Lina entrasse no apartamento. Seu coração estava disparado dentro do peito. Tinha um ano que não via e nem falava com Lina. Ela não sabia como seria o reencontro entre elas. Laurinha continuou sentada no sofá, ainda estava magoada com sua irmã por ela ter viajado sem se despedir.
    ― Oi, mãe ― disse Lina assim que entrou na sala.
    ― Oi, minha filha.
    Sônia foi até Lina e a abraçou. Ao abraçá-la, percebeu o quanto tinha sentindo a falta de sua filha mais velha, seu coração transbordava de alegria por tê-la em seus braços novamente. Laurinha se aproximou e também abraçou sua irmã. As três ficaram se olhando em silêncio. Com certeza elas tinham muito o que dizer uma para outra. Lina queria pedir desculpas por ter ficado longe delas durante aquele ano e dizer que sentiu muito a falta delas. Sônia queria dizer que a amava e que estava muito feliz por tê-la de volta. E Laurinha queria gritar com Lina por ter se afastado dela e dizer que era bom ter sua irmã de volta. Mas nada foi dito.
    ― Você deve está cansada da viagem ― disse Sônia ao se afastar. ― Eu preparei o café da manhã como você gosta, pãozinho com creme em cima, queijo branco e suco de melancia.
    ― Eu vou tomar um banho primeiro.
    ― Eu vou ajudá-la a levar suas coisas para o quarto ― disse Laurinha pegando a mochila das mãos de Lina. ― Vamos, o quarto ainda é no mesmo lugar.
    Ao entrar em seu quarto, Lina olhou para sua cama e sorriu. Em alguns momentos de solidão, quando estava na casa de sua avó, ela chegou a pensar que sua mãe talvez tivesse se livrado da sua cama. Mas ela ainda estava lá, no mesmo lugar e esperando por ela. Lina sentou na cama e a alisou. Ao sentir o contato com sua cama, ela notou o quanto sentiu falta de tudo aquilo. Era muito bom estar de volta. Ela tinha feito a escolha certa.
    ― Quer que eu a ajude a tirar suas coisas de dentro dessa mochila velha? Pensei que já tivesse se livrado dela ― olhou para a mochila e balançou a cabeça.
    ― Ela é o meu amuleto da sorte. Foi a primeira mochila que papai me deu. Eu tinha uns cinco anos.
    ― Eu sei, já ouvi muitas vezes essa história. Mamãe brigou com ele porque era uma mochila para adolescente e não para uma menininha de 5 anos. Ela guardou a mochila e comprou uma da Cinderela, e você odiou a mochila, queria usar a que papai comprou.
    ― Ela teve que dizer que roubaram a mochila. Quando descobri a verdade fiquei com muita raiva da mamãe, mas depois eu esqueci.
    Ficaram em silêncio. Laurinha colocou as roupas de sua irmã no lado do guarda-roupa que sempre foi dela. Parou o que estava fazendo ao ouvir a pergunta de Lina.
    ― Ainda está muito magoada comigo?
    Laurinha ficou de frente para sua irmã. Lina viu que Laurinha estava muito séria. Levantou e se preparou para o que vinha.
    ― Muito, Lina. Eu também estava sofrendo pela morte do papai. Ele também era meu pai, Lina ― gritou a última parte. Lina viu que sua irmã queria colocar para fora toda a magoa que estava guardada em seu peito. ― Você foi muito má comigo, Lina. Viajou sem se despedir. E durante um ano não quis falar nem comigo e nem com a mamãe. Não sabe o quanto ela sofreu!
    ― Desculpe, Laurinha. Eu estava sofrendo muito. Tudo fazia me lembrar do papai e da dor que eu sentia. Essa casa, você, a mamãe. Foi demais para mim, Laurinha. Me desculpe por magoá-la, não era o que eu queria.
    Laurinha não esperava pela reação da irmã. Lina estava em prantos enquanto lhe pedia desculpas repetidas vezes. A primeira vez que viu Lina chorar foi quando seu pai morreu, um ano atrás. Lina sempre foi uma garota forte, nunca chorava, nem quando levava bronca dos seus pais. Laurinha percebeu que Lina tinha mudado durante aquele ano que passou longe dela e de sua mãe, não era mais aquela garota forte que parecia não se importar com nada e com ninguém. Ela estava fraca e frágil.
    Laurinha se aproximou de sua irmã e a fez sentar na cama. Lina pegou nas mãos dela.
    ― Me desculpe, Laurinha. Eu juro que não queria magoar você e nem a mamãe. Eu não queria magoar ninguém, eu só queria parar de sofrer. Eu me afastei porque estava desejando tanto morrer, que tive medo de cometer uma loucura. Eu pensei que ao me afastar de tudo o que me lembrava do papai, eu pararia de sofrer. Mas não foi assim ― Lina olhou para a foto de seu pai que ficava em cima da cômoda. ― Eu aprendi durante esse ano que fiquei longe de vocês, que eu vou ter que conviver com essa dor para sempre. Que eu tenho que aprender a viver com ela. Eu senti tanto a falta de vocês duas. Eu percebi que além da vovó, ninguém mais além de vocês duas poderiam saber o que eu estava sentindo, a dor que eu sinto e que sempre sentirei. Porque como eu, vocês também o amava e sentem a mesma falta que eu sinto dele. Eu quero muito ficar perto de vocês. Eu aprendi com a vovó que falar sobre ele, como ele era, as coisas que ele gostava, momentos que passamos com ele, ajuda a amenizar um pouco a dor. Tinha dias que nós duas passávamos horas falando do papai, eu até ria nesses momentos. Vovó sempre contava coisas engraçadas sobre ele. Nesses momentos eu até me sentia feliz. Com o tempo eu percebi que vocês duas teriam coisas recentes para falar do papai. E nós três podíamos passar algum tempo falando sobre ele. E assim tentar trazer o papai para perto de nós outra vez.
    ― Quando eu e a mamãe estamos sozinhas, ela sempre diz que se o papai estivesse aqui, ele com certeza comentaria algo sobre algum jogo. ― As dois sorriram ao lembrar dessa mania que o pai tinha.
    ― Qualquer silêncio papai aproveitava para comentar sobre algum jogo ― lembrou Lina.
    ― Nessas horas eu e a mamãe comentamos sobre algo que ele tenha falado. No final nós sempre rimos. ― As duas se olharam em silêncio.
    ― Vamos sempre nos lembrar dele ― disse Lina ainda segurando as mãos de sua irmã.
    Sônia estava em pé do lado de fora do quarto das meninas, ela ouviu todo o desabafo de suas filhas. Tudo o que tinham conversado. Ela chorava ao ver o quanto suas filhas sofreram e ainda sofriam pela morte de Henrique. Ela pensou em entrar e abraçá-las, dizer que as amava e que estaria sempre ao lado delas. Mas achou melhor não interromper aquele momento.
    Depois que as três tomarem o café da manhã juntas, Sônia teve que ir trabalhar, seus alunos a esperava. Laurinha foi com sua mãe para a escola.
    Uma hora depois, Lina estava sozinha no apartamento, sua mãe tinha ido para a escola Prof.° Lourenço Leão, onde era professora de História. Sua irmã estudava na mesma escola que sua mãe trabalhava, que também era a mesma escola que ela estudava. Lina deitou na cama, mas não conseguiu dormir mesmo estando cansada depois de uma noite toda viajando de ônibus. Tantas coisa passavam por sua cabeça, tantas coisas que ela ainda teria que fazer até colocar sua vida nos eixos novamente. E ela sabia o que tinha que fazer primeiro.
    Lina levantou da cama e foi até a sala. Seu quarto não tinha telefone, exigência do seu pai, ele dizia que adolescentes não podiam ter telefone nos quartos. Nessa época ela e seu pai tiveram uma forte discussão, e como sempre ele fez com que ela entendesse que estava certo. Lina pegou o telefone e sentou no sofá, discou o número e ligou para sua melhor amiga, Rosana. Lina sabia que naquele momento ela estaria sozinha em casa, que a Sra. Ângela, mãe de Rosana, já teria saído para o trabalho. Sabia também que ela só estudava na parte da tarde. Rosana também estudava na escola Prof.° Lourenço Leão, que ficava no Grajaú. O Ensino Médio era na parte da tarde e o Fundamental na parte da manhã. Lina ficou um pouco receosa em ligar, não sabia como Rosana a trataria. Escutou o toque de chamada e seu coração começou a acelerar, tinha um ano que não falava com sua melhor amiga.
    ― Alô ― falou a voz do outro lado da linha.
    Lina se acovardou e não respondeu, era Rosana.
    ― Alô, quem é? ― Rosana disse impaciente por ninguém lhe responder.
    ― Rô? ― disse Lina um pouco receosa.
    Agora foi a vez de Rosana ficar em silêncio.
    ― Rô, sou eu, Lina.
    ― Eu sei quem é. ― Rosana estava feliz em ouvir a voz da amiga, mas decidiu não demonstrar, ela ainda estava magoada por Lina ter viajado sem se despedir e ter ficado todo esse tempo sem ligar para ela. ― Depois de um ano você lembrou dos amigos, Lina?
    ― Sei que deve está muito magoada comigo, Rô. Me desculpe.
    ― Sei que estava sofrendo, Lina. Mas não devia ter se afastado de quem a amava. Eu liguei tantas vezes para a casa da sua avó. Ela sempre dizia que você não estava, ouvi tantas vezes isso que acabei desistindo de ligar.
    ― Eu sei, Rô. Vamos conversar. Está ocupada?
    ― Não, estou de bobeira. Pode falar?
    ― Pelo telefone não. Me encontra no cantinho.
    ― No cantinho? Lina, você está no Rio? ― Rosana tentou disfarçar sua felicidade.
    ― Estou em casa, Rô ― Lina sorriu. Ela percebeu que havia felicidade na voz da amiga ao saber que ela estava no Rio. Isso queria dizer que a amizade delas não estava perdida. ― Cheguei agora de manhã. Pode me encontrar no cantinho?
    ― Estou indo para lá ― tentou não parecer muito ansiosa.
    As duas desligaram o telefone ao mesmo tempo. Rosana ficou andando de um lado a outro da sala, por um momento não sabia o que fazer. A felicidade de saber que sua melhor amiga estava de volta deixou Rosana tonta por uns instantes. Ela parou e decidiu o que faria. Foi até seu quarto e pegou seu boné pink, sua marca registrada, Rosana nunca saía sem aquele boné, já foi até em um casamento com ele. Aquele boné significava muito para ela, foi o primeiro presente que Lina lhe deu. Foi em sua festa de aniversário de seis anos, meses depois de terem  se conhecido. Depois disso passou a ter paixão por bonés e começou sua coleção. Ela tinha vários bonés, de várias cores e estilos. Voltou para a sala, pegou sua chave em cima da mesa e saiu apressada.
    Enquanto descia as escadas para ir ao encontro de Lina, Rosana pensava no quanto o cantinho significava para as duas. Lembrou do momento em que conheceu Lina no cantinho.
    Rosana lembrou que conheceu Lina quando faltava três meses para completar 6 anos. Em uma manhã de primavera, Renata, sua babá, a levou para brincar no Play do seu prédio. Renata cuidava dela enquanto sua mãe trabalhava. Sempre na parte da manhã Renata levava Rosana para brincar um pouco no Play. Nesse dia, Renata se descuidou e Rosana se afastou indo em direção ao prédio onde Lina morava, no conjunto ao lado do seu. Ela abriu a porta que dava para as escadas.
    Ao abrir a porta, Rosana ouviu um barulho vindo do andar de cima, aquele barulho chamou sua atenção. Antes de partir para sua aventura, descobrir a origem daquele barulho, ela olhou para onde Renata estava e a viu conversando com um homem, ela sorria para ele. Rosana pensou que Renata estava tão distraída que não ficaria preocupada com ela. Entrou no corredor e olhou em direção as escadas, começou a subir degrau por degrau. Ela queria muito saber que barulho era aquele. Subiu até o primeiro andar e não viu nada. Ouviu novamente o barulho. Resolveu então se aventurar mais e foi para o segundo andar, mas também não viu nada. Subiu para o terceiro. Quando chegou no segundo lance de escadas, viu uma menina, que deveria ter a  sua idade, sentada no meio da escada. A menina estava com um conjunto de short e blusa verde, com uma sandália de dedo verde, combinando com a roupa, e em seu cabelo uma fita pink, que chamava atenção pelo contraste com a roupa. Rosana ficou olhando para a fita.
    ― Eu gosto dessa fita. Não me importa que ela não combine com o resto. Ela combina comigo.
    O modo como a menina falou aquelas palavras, encantou Rosana. Ela falou com uma voz decidida, como se só a opinião dela importasse para ela.
    ― Eu ouvi um barulho e vim ver o que era. ― Rosana estava fascinada por aquela garota em sua frente. Tão decidida!
    ― Fui eu, com o pé ― bateu com o pé no chão. ― Gosto de ficar aqui sozinha.
    ― Você quer que eu vá embora?
    ― Não. Senta aqui ― indicou o lugar ao seu lado.
    Rosana subiu devagar e sentou no lugar indicado pela menina. A menina desandou a falar.
    ― Meu nome é Carolina, mas todos me chamam de Lina, eu prefiro Lina. Qual é o seu nome?
    ― Rosana.
    ― E como todos a chamam?
    ― De Rosana ― disse levantando os ombros como senão tivesse entendido a pergunta.
    ― Rosana é muito grande. Eu vou chamá-la de Rô. Você gosta?
    Rosana pensou um pouco e sorriu.
    ― Gosto.
    ― Então de agora em diante você será Rô, minha melhor amiga.
    ― Sua melhor amiga?
    ― É. Você não quer ser minha melhor amiga? Você já tem uma melhor amiga?
    ― Não.
    ― Eu também não. Então de hoje em diante seremos melhores amigas. Para a vida toda.
    Daquele dia em diante as duas nunca mais se separaram. Aquele lugar, entre o segundo e o terceiro andar, passou a ser o cantinho delas. Sempre que queriam está sozinhas elas iam para o cantinho. Todos no condomínio admiravam muito a amizade das duas meninas. Uma amizade que já durava por 12 anos. Rosana sentia que aquele ano que tinham passado separadas não mudaria a amizade delas. Isso era o que Rosana esperava.
    Rosana saiu do seu prédio e foi em direção ao prédio de Lina. Rosana morava no terceiro conjunto de prédios do Condomínio Tijolinho. Era chamado assim por causa do muro que era feito todo de tijolinho marrom. O primeiro conjunto ficava os prédios com três quartos ou mais, eram os mais caros, para famílias com melhores condições. Lina morava no segundo conjunto de prédios, era os prédios de dois quartos. Seus pais trabalhavam muito para dar o melhor para ela e sua irmã Laurinha. Henrique também era professor de História como sua esposa Sônia, eles tinham se conhecido durante a faculdade de História. Ele dava aulas em um colégio particular na Tijuca. O terceiro conjunto, onde Rosana morava, ficavam os prédios de apenas um quarto.
          Rosana entrou no prédio de Lina e parou antes de subir o primeiro lance de escada. Tentou se acalmar antes de encontrar com a amiga. Subiu devagar os degraus que a levaria até Lina. Quando Rosana chegou no cantinho, Lina já estava à sua espera, estava sentada no mesmo lugar onde a viu pela primeira vez há 12 anos. As duas se olharam em silêncio. Lina viu que Rosana não tinha mudado muito, seus cabelos castanhos claros ainda estavam na altura dos ombros, ainda tão lisos como antes. Rosana sempre reclamava que nada ficava preso em seu cabelo.
    Foi Lina que quebrou o silêncio.
       ― Senta aqui ― disse indicando o lugar ao seu lado.
       O mesmo lugar que ela indicou quando elas tinham 5 anos. Rosana subiu os poucos degraus e sentou ao lado de Lina. Aquele ano separadas a fizeram, naquele momento, se sentirem como duas estranhas. Aquilo incomodou muito a Lina, que sabia que ela que tinha provocado aquela situação.
       ― Eu sei que vai demorar para que me desculpe. Eu só queria que soubesse que senti muito sua falta. Foi muito difícil ficar sem falar com você durante esse ano que passou.
       Lina estava preparada para ouvir a bronca que viria de Rosana, ela sabia que tinha a magoado e merecia ouvir tudo o que Rosana estava sentindo. Mas ficou surpresa com o que Rosana lhe disse:
       ― Eu a desculpo. ― As duas se olharam ao mesmo tempo.
       Lina não esperava ser perdoada por Rosana assim tão rápido. Lina pensou que no começo teria que lidar com o desprezo de sua mãe, de Laurinha e de Rosana. Mas não era o que estava acontecendo. Todas estavam sendo muito compreensivas com ela. Isso fazia com que Lina se sentisse ainda mais pior por tê-las ignorado durante todo aquele ano. Rosana ligou para ela todos os dias durante dois meses, ela sempre pedia para sua avó dizer que ela não estava, depois os telefonemas pararam. Sua mãe e sua irmã também ligaram várias vezes durante o tempo que ficou na casa de sua avó, mas Lina nunca as atendeu. Ela não merecia toda aquela compreensão.
       ― Eu a entendo, Lina. Você e seu pai eram muito ligados. Você estava sofrendo muito. Meu pai me deixou quando eu era muito pequena, nem me lembro dele. Era muito bonito a amizade que você tinha com o seu pai. Eu sabia que você precisava de um tempo para aceitar tudo o que aconteceu. Depois de um tempo eu fiquei com medo que você nunca mais voltasse. O tempo foi passando e alguns passaram a acreditar que você nunca mais voltaria. Eu também senti muito a sua falta, Lina. Fico feliz que tenha voltado.
       Lina abraçou Rosana que retribuiu o abraço da amiga. As duas se gostavam muito, eram como se fossem irmãs. As duas estavam muito felizes naquele momento. Quando se afastaram elas começaram a falar ao mesmo tempo o que tinha acontecido naquela ano com elas. As duas falavam ao mesmo tempo e nem se importavam se a outra não estava entendo, elas só queriam falar. Momento depois as duas se calaram e começaram a ri. Depois com mais calma uma ouviu a outra. O mais importante para as duas era saber que durante aquele tempo uma não esqueceu da outra. A todo momento as duas paravam o que estavam falando e diziam que tinham sentido muito a falta da outra. Depois de cada uma saber o que tinha acontecido com a outra, Lina perguntou:
       ― O que aconteceu aqui no condomínio?
       Rosana sabia o que ou sobre quem Lina queria saber. Mas deixaria que ela perguntasse.
       ― Muitas coisas, Lina. Sobre quem você quer saber? ― perguntou sorrindo.
       ― Beto.
       ― Ele ficou muito mal quando você terminou com ele ― disse muito séria. ― Ele quase surtou quando soube que você viajou para a casa da sua avó e que sua mãe não sabia quando você voltaria, e se voltaria. Ele foi até a minha casa saber o que você tinha falado comigo. Foi quando eu soube que você tinha viajado. Ele me olhou sério e disse: se nem você sabia, a coisa então é séria! ― Rosana sorriu, mas depois ficou séria. ― Fechei a porta e corri para sua casa. Assim que entrei Laurinha estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. Ela disse entre lágrimas que nem dela você se despediu.
    Lina ficou muito mal ao saber da dor que tinha causado em sua irmã.
        ― Eu estava sofrendo tanto que não pensei que fosse causar tanto sofrimento com minha partida. Me desculpe, minha amiga.
        ― Eu já a desculpei, Lina. Não pense mais nisso. Quer saber mais sobre o Beto? ― Lina acenou que sim com a cabeça. ― Ele namorou com algumas garotas, mas todas do colégio dele. A última ele ficou uns três meses, acho até que ele estava gostando dela, mas ela deixou ele para ficar com o Yvan. Mas já terminaram. Mas isso fez com que a amizade dos dois acabasse. Eles se falam, mas não é mais como antes. O Beto está sozinho agora. Isso a magoa?
       ― O que? Saber que o Beto namorou outras garotas?
       ― É.
       ― Não, Rô. Eu gosto do Beto, senti falta dele. Mas o que eu sentia por ele não é o mesmo que antes. Muitas coisas mudaram para mim. Eu quero ficar sozinha por um tempo. E os outros? A Marcinha se mudou? Antes de ir viajar a família dela estava para se mudar.
        ― Mudaram. Muitos outros mudaram durante esse ano que você ficou fora. E muitos outros chegaram.
        ― Algum gatinho?
        ― Lina! Você acabou de dizer que quer ficar sozinha ― disse sorrindo.
        ― Só para saber ― disse Lina cutucando sua amiga.
        ― Só pirralho. Mas até que são pirralhos bonitinhos. ― As duas caíram na gargalhada.
        ― E o jogo? Continuam jogando?
       ― Depois que você viajou ficamos alguns meses sem ânimo para jogar. Nada mais era como antes.
       Ficaram em silêncio por alguns instantes. Lina nunca imaginou que sua partida fosse deixar tantas pessoas magoadas com ela. Pensar nisso a deixou chateada. Todos gostavam de jogar o jogo Conquistar a Bandeira, mas com o tempo ficou mais conhecido como o jogo. Conquistar a Bandeira foi inventado por Lina e Beto. Os dois estavam conversando na Praça Principal, a praça que ficava no meio do condomínio, eles não tinha nada para fazer e estavam entediados com aquilo. De repente Beto deu a ideia de brincarem de pique bandeira. Lina disse que era um jogo bobo. Mas como ele gostava de brincar, tentou convencê-la de todas as maneiras. Lina então deu a ideia de melhorarem um pouco o pique bandeira, deixá-lo mais interessante. Eles começaram a conversar e bolaram um novo jogo. Depois de montarem o jogo como queriam, com algumas regras, os dois foram conversar com a turma do condomínio e todos ficaram animados para jogar o jogo Conquistar a Bandeira. O jogo seria jogado por duas equipes, com um comandante e um capitão cada equipe. O objetivo do jogo era capturar a bandeira que ficaria sempre com o comandante. O jogo tinha algumas regras que senão fossem cumpridas dava a vitória para a outra equipe. Lina sempre se orgulhava muito de ter inventado o jogo junto com Beto. No começo os dois eram sempre os comandantes e tinham que jogar sempre um contra o outro, mas com o tempo outros quiseram ser comandante e Lina ficou como capitã de Beto. Ganharam algumas vezes e também perderam algumas. Ganhava quem tinha a melhor estratégia no jogo.
       ― Nós vamos jogar hoje.
        ― Hoje? Você não tem aula?
        ― A maioria que estuda de tarde não tem aula hoje. Vamos esperar o pessoal que estuda na parte manhã chegar para começar. Você quer jogar? ― perguntou animada.
       ― Não, Rô ― disse desanimada. ― Quem são os comandantes? Ou melhor quem é o comandante da outra equipe? ― Riram.
       ― Beto e Gustavo.
       ― Gustavo? Morador novo?
       ― Não, Lina. Não lembra dele? Ele mora no primeiro conjunto, o pai dele é médico. É um loirinho. Ele é um gatinho. A família dele mora aqui há muitos anos. Ele tem uma irmã que se chama Gabriela. Eles se parecem muito, os dois são loiros de olhos verdes.
       ― Eu estou lembrando dele. Na verdade me lembro mais da irmã dele. Sempre que nos encontramos ela me olha com um olhar de ódio. Acho que ela sempre foi apaixonada pelo Beto, por isso me odeia.
       ― Como muitas garotas. ― Riram.
       Beto era mesmo um garoto muito bonito, era moreno, de cabelos pretos repartido do lado. Tinha a mesma idade que Lina e Rosana. Era o badboy do pedaço, estava sempre arrumando confusão no condomínio, principalmente com o síndico do conjunto I. Lina conheceu Beto em uma festa do condomínio. Ela tinha 13 anos e ele tinha acabado de se mudar, morava no segundo prédio do conjunto I, o pai dele era advogado e por causa disso quase não ficava em casa. Lina acreditava que Beto era rebelde por causa disso, aprontava para chamar a atenção do pai. No meio da festa Beto chegou perto dela e disse que ela seria sua namorada, pegou em sua mão e sorriu, o sorriso mais lindo que Lina já tinha visto. Ela se apaixonou por ele naquele momento. Eles conversaram e viram que tinham algumas coisas em comum. Lina tinha ganhado um Skate de presente do seu pai, mas não sabia andar, Beto disse que a ensinaria. Beto foi o primeiro e único namorado de Lina. Namoraram por três anos. Mas no último ano o namoro deles não ia muito bem, Lina pensou várias vezes em terminar. Beto estava cobrando dela uma prova de amor, ele queria que eles fizessem sexo, mas Lina queria casar virgem, como sua mãe e sua avó. Ela queria ter somente um homem em sua vida, seu marido. Ela conversou isso com Beto, ele disse que eles iam se casar, que ele seria o único homem da vida dela. Mas, por mais que Lina gostasse de Beto, ela não o via como seu marido. Ela olhava para Beto e não conseguia vê-lo como marido dela e de nenhuma outra garota. Mas ao lembrar de Gustavo, ela pensou que ele sim seria um bom marido para qualquer garota.
       ― Eu não lembro deles terem jogado o jogo.
       ― E não jogaram. Estávamos meses sem jogar quando ele e sua irmã apareceram com alguns garotos novos e disseram que queriam jogar Conquistar a Bandeira, que eles podiam ganhar. Ao dizer isso, Gustavo atiçou o lado competitivo de Beto que aceitou na hora o desafio. E foi assim que voltamos a jogar. Gustavo nunca ganhou de Beto. Mas é um comandante muito sério.
       ― O jogo ainda demora dias para terminar? Lembra daquela vez que jogamos quase por uma semana?
       ― Eu lembro ― sorriu Rosana ao lembrar. ― Ainda bem que estávamos de férias. Você e Beto estavam impossível. Era um tal de prender jogador, soltar jogador. Pensei que aquele jogo não fosse terminar nunca.
       ― No final nós ganhamos ― lembrou Lina. ― O jogo ainda é jogado à noite?
       ― Não mais. O jogo dura no máximo um dia, às vezes apenas algumas horas.
       ― Algumas horas? Isso não é possível, Rô. O jogo foi pensado para durar dias. Você disse que o Gustavo era um bom comandante.
       ― Ele é um bom comandante para seus jogadores, mas não para o jogo. O Beto sempre ganha.
       Lina ficou surpresa que Beto aceitasse jogar naquela condição. Conquistar a Bandeira era um jogo de estratégia e Beto nunca foi de gostar de ganhar fácil. Pelo o que Lina pôde ver, Beto também tinha mudado.
       As duas continuaram conversando durante mais algum tempo, depois Rosana se despediu e disse que tinha que se encontrar com o pessoal da equipe.
       ― Tem certeza que não quer mesmo jogar? ― perguntou ao descer alguns degraus.
       ― Tenho, Rô. Vou descansar um pouco, meu corpo ainda está um pouco dolorido por causa da viagem. Estou muito feliz pelo nosso reencontro e por você ter me desculpado.
       ― Eu também estou muito feliz por você ter voltado. Tudo será como antes agora.
       ― Posso pedir um favor?
       ― Não precisa, Lina. Eu não vou falar para ninguém que você chegou. Eu estou feliz que você tenha vindo falar comigo primeiro.
       ― Boa sorte, Rô.
       ― Obrigada, Lina.
       Rosana desceu as escadas e Lina foi para seu apartamento. Enquanto descia as escadas, Rosana se perguntava se tudo seria mesmo como antes? Ela tinha percebido, mesmo não querendo, que algo na amizade delas tinha mudado. E agora tinha a Anna. Como Lina reagiria ao saber de Anna? Em breve todas aquelas perguntas seriam respondidas.



Capítulo II

O Jogo


       Assim que Lina chegou em seu apartamento, depois da conversa com Rosana, deitou  em sua cama para descansar, mas seus pensamentos não a deixaram descansar como queria. A conversa que teve com Rosana não saía de sua cabeça, a todo momento ela repassava a conversa das duas. Lina estava muito feliz por ver que tinha sua melhor amiga novamente em sua vida. De repente a imagem de Beto e Gustavo veio em sua mente. Um sorriso brotou em seus lábios ao pensar o quanto aqueles dois comandantes eram diferentes. Ela lembrou que Rosana comentou que Gustavo era um comandante que pensava em seus jogadores.
    ― Talvez por isso ele sempre tenha perdido o jogo ― pensou Lina em voz alta.
    Beto só pensava no jogo e se tivesse que perder todos os seus jogadores para ganhar o jogo, ele não se importava. Lina suspirou ao lembrar de Beto, seu primeiro e único namorado. Seu coração batia forte só em pensar nele. Beto era o badboy do condomínio, enquanto Gustavo era o garoto certinho. Lina lembrava um pouco do garoto que morava no primeiro prédio do conjunto I e que não falava com ninguém do condomínio. Lina não conseguia imaginar aquele garoto, que uma vez a encarou na garagem do prédio dele, conversando e sendo amigo de todos no condomínio. Pelo o que ela lembrava, ele era um ano mais velho que ela. Quando ela tinha ido para a casa de sua avó, ele tinha entrado na faculdade, então agora ele deveria está no segundo ano da faculdade de medicina. Lina lembrou desse fato porque seu pai comentou que o pai de Gustavo estava muito orgulhoso pelo filho estar seguindo a mesma profissão que ele. Gustavo era um garoto todo certinho, do tipo que nunca cabulou aula. Lina lembrava de mais uma coisa, que a metade das garotas do condomínio era afim de ficar com ele, mas ele nunca olhou com interesse para nenhuma delas. Gustavo era o genro que toda mãe gostaria de ter, ao contrário de Beto. Uma vez sua mãe lhe disse que Beto não tinha nada haver com ela, que com o tempo ela perceberia isso. Ela sabia que seus pais não gostavam muito do seu namoro com Beto, mas eles respeitavam sua decisão. Mais uma coisa chamou a atenção de Lina, que até mesmo na aparecia os dois eram diferentes. Beto era moreno de olhos castanhos, tinha cabelos pretos, seu cabelo batia um pouco acima dos ombros, ele usava os cabelos sempre atrás das orelhas. Gustavo era loiro com olhos verdes, era moreno bem claro, seu cabelo era bem curtinho. Os dois tinham a mesma altura, 1.75m. Com certeza não tinha no mundo dois garotos mais diferentes do que Beto e Gustavo. Assim pensava Lina. E de tanto pensar, acabou adormecendo.


       Em outra parte do condomínio Rosana esperava ansiosa por Anna. Ela estava na Praça da Academia, assim era chamada a praça que ficava entre o Salão de Festas e a Casa dos Funcionários; era chamada assim porque tinha alguns aparelhos de musculação no meio da praça. Rosana estava muito ansiosa para contar a novidade para Anna. Ela tinha prometido não contar para ninguém que Lina tinha voltado, mas Anna não era ninguém, ela era uma pessoa que Rosana gostava muito. Anna a tinha ajuda a entender e a dar o tempo que Lina precisava.
       ― O que foi, Rô? Parecia agitada no telefone. Pensei que o jogo só começaria depois do almoço ― disse Anna ao sentar ao lado da amiga em um dos bancos da praça.
       ― Não é nada sobre o jogo. Tenho algo muito bom para lhe contar.
       ― O que é? Estou curiosa.
       ― Lina voltou.
       Ao ouvir a novidade, Anna parou de sorrir. Ela sempre teve medo que a melhor amiga de Rosana um dia voltasse e a afastasse dela. Ela tinha ouvido muito falar de Lina pelo condomínio, e por Rosana também. Todos diziam que Lina parecia muito com Beto, no modo de pensar e no modo agir. Se Beto não a aceitava, Lina também não a aceitaria. Anna tinha medo que por causa disso Rosana se afastasse dela.
       ― O que foi, Anna? ― Rosana percebeu a mudança dela. ― Nada vai mudar, Anna. Eu gosto muito de você.
       ― E se Lina não me aceitar?
       ― Lina mudou muito com a morte do pai. Ela vai entender. ― Rosana segurou a mão dela para lhe passar segurança.
       Anna olhou para a mão de Rosana que estava entrelaçada com a sua. Ela não queria se afastar dela, Rosana era muito importante para ela.
       ― Quer almoçar na minha casa? ― perguntou Rosana sorrindo. ― Podemos esperar pelo telefonema do Gustavo lá. ― Rosana queria que Anna soubesse que nada mudaria. ― Ele ficou de ligar quando tivesse indo encontrar com a equipe no lugar de sempre. Quando ele ligar eu digo que você está lá. Vamos?
    Anna sorriu e acenou que sim.


       Lina abriu os olhos e olhou tudo em volta, olhou para o relógio em sua mesinha de cabeceira e viu que já estava na metade da tarde. Viu Laurinha sentada na escrivaninha onde estudavam. Laurinha sentiu que era observada e olhou em direção da cama de sua irmã.
       ― O que foi, por que está rindo?
       ― Estou feliz por acordar e vê-la sentada aí, estudando. Senti falta disso.
       ― Não sentiu falta de estudar também não? ― implicou com Lina.
       ― Disso não, pequena.
       ― Pois então comece a pensar nisso, grandona. Mamãe passou na secretaria e abriu sua matrícula. Acho que você começa na segunda. Depois ela vai conversar com você sobre isso.
       ― Eu queria ficar um pouco em casa.
       ― Lina! Você já perdeu um ano, quer perder mais um? Terá que fazer o segundo ano de novo.
       ― Eu sei, pequena. Você e mamãe estão certas. Tenho que começar minha vida de novo. Eu vou para a sala para não atrapalhar seus estudos. A mamãe ainda está na escola?
       ― Está. Hoje ela dá aula de manhã e de tarde. Se quiser comer, eu fritei alguns empanados e tem macarrão na geladeira, é só esquentar no micro-ondas. Eu não a acordei porque você dormia tão tranquilamente, parecia que estava tendo um sonho muito bom.
       ― Obrigada, pequena. Não estou com fome, como depois. Que hora a mamãe vai chegar?
       ― No final da tarde.
       ― Vou ficar na sala e ver um pouco de televisão.
       ― O pessoal está jogando o jogo.
       ― Eu sei. ― Lina foi em direção à porta, mas parou quando Laurinha a chamou.
       ― Estou feliz em ouvir você me chamar de pequena novamente.
       ― Pensei que não gostasse.
       ― Eu também pensava ― sorriu.
       Lina foi até sua irmã e beijou o topo da sua cabeça.
       ― Vê se estuda direitinho, pequena. Tire uma boa nota e me deixe orgulhosa.
       ― Pode deixar, grandona.
       As duas se olharam e riram. Lina ligou a televisão, mas não encontrou nada que lhe agradasse para assistir. Desligou a televisão e foi até a janela. Ao olhar para baixo viu Rosana entre as árvores que ficavam em frente ao seu prédio. Os garotos do condomínio chamava aquela parte de Floresta Perdida. Lina lembrou que pegou muitos jogadores desprevenido ali.
       ― Laurinha, vou dar uma volta lá embaixo ― disse da porta do quarto.
       ― Está bem. Vê se não some ― disse para implicar com sua irmã.
       ― Pode deixar, pequena. Se eu sumir de novo eu prometo me despedir de você.
       Lina desceu e foi até a Floresta Perdida. Assim que Rosana viu Lina parada no play a chamou. Lina olhou para os lados para ver se não tinha algum jogador por perto, ela não queria denunciar o esconderijo de sua amiga. Assim que Lina se aproximou da árvore se abaixou.
       ― Como estão as coisas? ― foi logo perguntando.
       ― Estamos perdendo. Talvez o jogo dure mais uma ou duas horas.
       ― Há quanto tempo estão jogando?
       ― Duas horas.
       ― Esse Gustavo é bom mesmo! ― disse Lina muito surpresa.
       ― Eu sou da equipe do Gustavo. ― Lina virou o rosto e olhou ainda mais surpresa para ela. ― A equipe do Beto sempre ganha.
       Uma pergunta passou pela cabeça de Lina, por que Rosana não estava na equipe de Beto? O que teria acontecido? Descobriria isso depois.
       ― Me conte o que está acontecendo no jogo ― pediu Lina.
       Rosana notou o interesse dela no jogo. Abaixou e sentou ao lado da amiga. Se Lina entrasse em sua equipe eles poderiam virar o jogo. Lina era muito boa nesse jogo.
       ― Estamos em dez e a equipe do Beto em onze. Fica sempre um sobrando, e toda vez uma equipe fica com menos, dessa vez foi a nossa equipe.
       ― O Gustavo é o comandante, e quem é o capitão?
       ― A Gabriela. Gustavo é sempre o comandante e ela a capitã.
       ― Você é a ajudante dela?
       O ajudante não era obrigatório, mas era bom para ajudar o capitão. Rosana sempre era a ajudante de Lina quando ela era a capitã.
       ― Ela não tem ajudante. A Gabriela é uma pessoa difícil de lidar. Ela gosta de decidir tudo sozinha e sempre decidi errado. Ela sempre briga com os ajudantes, por isso agora ninguém quer mais ser ajudante dela. E para que ajudante se sempre perdermos, Lina?
       ― Por que isso, Rô?
       ― Todos sabem que o Beto vai ganhar, nós só jogamos por diversão, mais para passar o tempo. O Gustavo até que é um bom comandante, mas a Gabriela é péssima capitã. Estamos acostumados a perder. Só os mais fracos ficam com o Gustavo.
       ― Você não é fraca, Rô. Por que está com o Gustavo?
       O momento de falar de Anna tinha chegado. Rosana só esperava que Lina entendesse.
       ― Por causa da Anna.
       ― Quem é Anna?
       Rosana ficou em silêncio por um momento. Tomou coragem e resolveu contar tudo para Lina.
       ― Anna é uma moradora nova do meu prédio, ela mudou para o condomínio dois meses depois de você viajar. Foi por causa dela que parei de ligar para você.
        Lina segurou a respiração por alguns momentos, o que ela tanto temia enquanto estava na casa da sua avó, tinha acontecido, Rosana tinha arrumado uma outra melhor amiga enquanto ela estava longe. Lina sentiu em seu peito uma vontade muito grande de chorar, mas conseguiu se conter.
       ― Você é minha melhor amiga, Lina, é sempre será ― disse rapidamente ao perceber a tristeza no olhar de Lina. ― É minha irmã. Anna é muito legal, sabe que nossa amizade é muito forte e nunca tentou ser mais do que uma amiga para mim. Ela me fez ver que você precisava de um tempo sozinha e me aconselhou a parar de ligar, que no seu tempo você me procuraria. Demorou um pouco, mas ela tinha razão, você me procurou, e agora está aqui. Ela me ajudou muito, Lina. Eu me senti muito sozinha depois que você viajou.
       Lina sentiu ciúmes daquela nova amizade de Rosana, mas tentou entender. Se aquilo estava acontecendo a culpa era dela.
       ― Tudo bem, Rô. Acho que tenho que agradecer a Anna por ter cuidado de você durante esse tempo.
        ― Mas, tem mais uma coisa, Lina. Eu sei que você mudou, sei que você não pensa mais com a cabeça do Beto.
       ― Rô, não era assim!
       ― Era sim, Lina. E você sabe disso. Todos nós sempre íamos pela cabeça do Beto. Se para ele não era certo, não era certo para ninguém. Lembra daquele garoto que era albino e por isso era muito branco? ― Lina acenou que sim com a cabeça. ― Beto começou a dizer que ele era uma aberração, que não podíamos ter amizade com ele. Mesmo os que não concordavam passou a concordar. Eu não concordava, mas mesmo assim aceitei o que o Beto fazia com aquele garoto. Lembro que ríamos dele. Não sabe o quanto me sinto mal quando me lembro disso. ― Lina abaixou a cabeça. Ela também se sentia como Rosana. Ela nunca concordou com o que Beto fazia com aquele garoto, mas nunca disse nada. Rosana continuou: ― Zoamos tanto o garoto que a família acabou se mudando do condomínio. Fomos muito mal com aquele garoto.
       ― Eu sei, Rô. ― Lina se sentia envergonhada. ― Minha avó tem uma amiga que tem uma filha com essa doença. Nós ficamos amigas, o nome dela é Susana, ela tem um namorado, que é até bonitinho, ele gosta muito dela. Ele a chama de minha branquinha. Ela é muito inteligente. Ela me contou que muitas vezes passou pelo o mesmo que aquele garoto. Eu me senti muito mal. O que o Beto fez com a Anna?
       ― Logo que ela chegou no condomínio nós ficamos amigas, eu a levei para o nosso grupo. Estava indo tudo bem, todos a aceitaram. Quando começamos a jogar ela sempre ficava com a equipe do Beto. Mas um dia o Beto juntou todo o grupo e disse que a Anna não fazia mais parte da nossa equipe. Eu e ela nos olhamos, o que temíamos tinha acontecido, Beto descobriu o segredo dela. Ela já tinha me contado e eu aceitei numa boa. Para mim o importante é a pessoa que ela é.
       ― Que segredo, Rô? ― perguntou Lina calmamente.
       ― Os pais da Anna são presidiários. A mãe dela ficou presa por cinco anos, enquanto isso a Anna ficou com a avó dela, e o pai dela ainda está preso, cumpre pena de 21 anos por contrabando de armas e formação de quadrilha. O Beto humilhou a Anna na frente de todos, e disse que ninguém mais podia falar com ela e que ela estava fora da equipe. Eu me levantei e a defendi, disse que não podíamos fazer aquilo com ela, que ela era nossa amiga. Beto disse que se eu estava com dó dela que fosse embora com ela. Foi o que eu fiz. Gustavo nos aceitou na sua equipe. Fiquei sem falar com Beto durante um tempo, mas depois voltamos a nos falar ― Rosana ficou em silêncio esperando que Lina dissesse algo.
       ― Eu concordo com você, Rô. Anna não tem culpa pelo o que os pais dela fizeram, e se a mãe dela está solta é porque já pagou o que devia. Eu estou muito orgulhosa de você, minha amiga.
       Rosana abriu um largo sorriso e a abraçou. Lina acabava de tirar um peso enorme do seu coração.
       ― Tenho certeza que você vai gostar da Anna. Ela é muito legal.
       ― Se você gosta dela, Rô, eu tenho certeza que vou gostar. Agora me conta mais sobre o jogo.
    ― Antes, preciso lhe contar mais uma coisa.
    Lina suspirou fundo. Com certeza era mais uma coisa que ela não iria gostar.
    ― O que é, Rô?
    ― Quando voltamos a jogar, Beto deixou Júlia de fora. Ela ficou um bom tempo sem jogar.
    ― Por quê, Rô? ― Lina ficou arrasada ao saber o que tinha acontecido com Júlia.
    ― Ele disse que a Júlia era fraca e que não tinha mais você para protegê-la. Por isso ela não faria mais parte da equipe dele.
    ― E ninguém fez nada? Ninguém disse nada?
    ― Calma, Lina. Todos falamos que ele estava errado, que você não ia gostar de saber o que ele estava fazendo quando voltasse. Ele simplesmente disse que a equipe era dele e que faria o que era melhor para a equipe. Eu e a Juliana dissemos que cuidaríamos da Júlia, mas o Beto estava irredutível em sua decisão. Júlia ficou muito mal por vários dias, quase não descia para ficar conversando com a turma.
    ― Beto não podia ter feito isso com ela. Não podia ter feito isso com vocês duas. Depois vou até a casa dela para conversarmos.
    ― Quando fui para a equipe Lobo com a Anna, pedi ao Gustavo que deixasse Júlia entrar na equipe. Contei a ele tudo o que aconteceu. Eu não podia mentir. Disse que Júlia era fraca, mas uma boa jogadora, que eu e a Anna a protegeríamos. Ele rapidamente aceitou Júlia na equipe. Gustavo é um garoto muito legal.
    ― Que bom saber que você cuidou dela, Rô. Obrigada.
    ― Júlia é uma das capturadas ― disse sorrindo.
    ― Eu já esperava ― sorriu. ― Agora me conte a situação do jogo.
       ― Perdemos três jogadores além da Júlia, Anna também é uma dos capturados. E mais dois jogadores: Fábio e Carlos.
       ― E o Beto, quantos ele perdeu?
       ― Nenhum. Não vai demorar muito para ele invadir o esconderijo e tomar a bandeira.
       ― Onde é o esconderijo de vocês?
       ― Naquele quartinho atrás da padaria.
       ― É um bom lugar. Quem é o capitão do Beto? O Ivan?
       ― Não. Depois que o Ivan ficou com a garota do Beto, ele nunca mais foi o capitão dele. Agora é um gordinho, ele é novo no condomínio, mora no prédio do Beto. O nome dele é Jonas. Ele chegou tem uns cinco meses, é o único novato que tem na equipe do Beto. Ele é muito bom de estratégia. Ele lembra muito você, Lina, ele é esperto e pensa rápido. Ele aprendeu rápido o jogo, o que fez Beto gostar dele.
       Lina pensou um pouco e decidiu o que faria.
       ― Eu vou entrar no jogo. Será que o Gustavo me aceita na equipe dele?
       ― Se ele não aceitar será o comandante mais burro de todos os tempos ― disse Rosana com um largo sorriso no rosto. ― Vamos.
       Rosana preparou sua pistola de paintball, caso encontrasse com algum jogador da outra equipe ela estaria preparada. As duas atravessaram o condomínio e foram em direção a padaria que ficava do outro lado. As duas olhavam para todos os lados e só saíam quando viam que tudo estava seguro. Enquanto caminhavam para o esconderijo, Rosana contou para Lina sobre sua equipe. Contou que a equipe do Gustavo eram os Lobos Vermelhos, e lhe mostrou a fita vermelha amarrada em seu pulso com a imagem de um lobo. Eles usavam tinta vermelha para acertar o adversário. Lina lembrou que Beto sempre usava tinta preta na sua equipe por serem os Cobras Pretas. Quando Lina tinha sua própria equipe eles usavam tinta amarela, eles eram os Tigres Amarelos. Mas sua equipe durou por pouco tempo, logo ela passou a fazer parte dos Cobras Pretas. Lina sempre gostou de jogar Conquistar a Bandeira, estava mais de um ano sem jogar. Ao pensar que viveria novamente aquela adrenalina que só sentia quando estava jogando, seu coração acelerou forte.
       Assim que chegaram no esconderijo dos Lobos Vermelhos, entraram em uma pequena porta que dava para um pequeno quartinho, que ficava embaixo da padaria. Ali era um antigo depósito da padaria que não era mais usado. O dono deixava que fizessem ali de esconderijo durante o jogo. Outras equipes já tinham escolhido aquele lugar como esconderijo, por isso Lina sabia daquele lugar. Ela não gostava muito daquele esconderijo por ser perto do esconderijo de Beto, que ficava do outro lado do condomínio e na mesma direção. Ao entrar, Lina notou que o quartinho era  iluminado por um lampião que mal iluminava o ambiente. Viu dois jogadores que assim que a viram atrás de Rosana levantaram-se e a olharam sério. Lina não conhecia nenhum dos dois. Eles eram Marcelo e Tânia. Os dois tinham 15 anos. Tânia e Marcelo eram irmãos gêmeos, mas não idênticos. Mas em algo os dois eram parecidos, os dois eram ruivos com sardas no rosto.
       ― Onde está o comandante? ― perguntou Rosana para os dois jogadores.
       ― Lá atrás ― apontou Tânia para umas caixas no fundo do quartinho. Detrás das caixas saía uma luz fraca. ― Estão tentando planejar um plano para atacar os Cobras.
    O quartinho tinha um outro cômodo que era ainda menor que aquele, que eles faziam de prisão. Gustavo queria um lugar calmo onde ele pudesse pensar, por isso improvisou um outro cômodo colocando algumas caixas separando os dois cômodos. Gustavo e Gabriela estavam nessa parte do quartinho.
       ― Mas ainda é muito cedo para atacar ― disse Lina, mas no mesmo instante que disse se arrependeu. Ela não devia se intrometer já que não fazia parte da equipe.
       ― Gustavo é um pouco impaciente ― disse Rosana e olhou para os outros para que eles confirmassem o que ela disse.
       ― Será que ele não sabe que esse jogo é de paciência?
       ― O que está acontecendo aqui?
       Lina virou a cabeça e viu Gustavo saindo detrás das caixas. Atrás dele estava sua irmã. Lina voltou a olhar para Gustavo que tinha um andar decidido. Lina se surpreendeu ao ver que Gustavo tinha se transformado em um rapaz muito bonito. Depois do encontro dos dois na garagem, Lina via Gustavo raramente quando ele estava saindo para a escola. Os dois olharam para Lina e arregalaram os olhos, pareciam não acreditar que ela estava mesmo ali.
       Lina e Gustavo se olharam em silêncio por uns instantes. Aquele olhar deixou Lina desconcertada. Gustavo a olhava com carinho. Era o mesmo olhar que ela viu uma vez na garagem do prédio dele. Ela estava com 13 anos quando aquele encontro aconteceu. Foi um pouco antes de começar a namorar com Beto. Lina estava brincando de pique esconde com a turma do condomínio e se escondeu na garagem do primeiro prédio do conjunto I. Estava escondida entre dois carros. Ela ouviu passos e se preparou para ser capturada, mas quem apareceu foi Gustavo. Eles se olharam durante um tempo. Lina ficou desconcertada com aquele olhar, nunca nenhum garoto a olhou com tanto carinho. Ela se levantou e saiu correndo. Depois disso ela pensou em Gustavo e naquele olhar durante vários dias. Mas, quando começou a namorar com Beto, ela esqueceu de Gustavo e daquele olhar que a deixou tão desconcertada.
       Lina desviou o olhar de Gustavo e olhou para o chão.
       ― O que está acontecendo aqui? ― perguntou novamente, mas agora sua voz soou com raiva.
       ― Lina quer entrar na equipe ― disse Rosana. ― Estamos com um a menos, Beto não pode dizer nada. ― Gustavo continuou em silêncio enquanto olhava para Rosana, ele teve que se esforçar muito para não olhar em direção a Lina. ― Ela pode entrar na equipe, Gustavo?
       Gustavo virou a cabeça e olhou para sua irmã, ao mesmo tempo ela também olhou para ele. Os dois trocaram um olhar que ninguém soube decifrar. Mas Lina desconfiava qual tinha sido a pergunta ele tinha feito em silêncio para ela. Vai aguentar a presença dela? Lina teve vontade de sair correndo dali, mas se conteve por causa de Rosana e Júlia.
    Lina queria muito entrar para a equipe dos Lobos. Ela ficou com muita raiva ao saber que Beto tinha expulsado Rosana e excluído Júlia da equipe Cobra. Ela queria mostrar para ele que Rosana e Júlia fariam muita falta para ele, por isso continuou parada esperando pela resposta de Gustavo. Enquanto esperava, Lina perguntava a si mesma se Gabriela não sabia que ela e Beto tinham terminado. Depois de tanto tempo ela ainda sentia tanta raiva dela por ciúmes dele?
       ― Marcelo ― chamou Gustavo.
       Marcelo se colocou à frente de seu comandante.
       ― Pegue a bandeira branca e ande por aí. Quando algum jogador do Cobra fizer contato, diga que queremos marcar uma reunião para a entrada de um novo membro em nossa equipe. Marque o encontro na Praça Principal daqui a meia hora. Mas não diga quem é. Agora vai.
       Marcelo pegou a bandeira e saiu apressado. Ele estava animado que pela primeira vez algo diferente estava acontecendo naquele jogo.
       ― Tânia, avise Ronaldo do encontro e diga para ele vir para o esconderijo. Venha, Gabriela. Vocês esperem aqui.
    Gustavo e Gabriela voltaram para atrás das caixas. Lina sentou em um canto, Rosana sentou ao seu lado e sorriu, as duas ficaram em silêncio enquanto esperavam pelo os outros. Lina ainda estava intrigada com o olhar de Gustavo. Tudo o que ela queria naquele momento era saber o que aquele dois tanto conversavam atrás daquelas caixas.


    Assim que se viu protegido pelas caixas, Gustavo sentou no chão e suspirou forte, precisava recuperar o controle que tinha perdido ao ver Lina em sua frente. Antes desse encontro com Lina, Gustavo estava certo que não sentia mais nada por ela. Ficar sem vê-la durante aquele ano só reforçou sua certeza. Ele estava até pensando em pedir Cláudia, uma amiga da faculdade, em namoro. Mas, ao ver Lina novamente, o que ele pensava que não existia mais, voltou com força maior. Ao vê-la parada em sua frente tudo o que ele queria era ir até ela e abraçá-la e lhe dizer o quanto a amava. Ele ainda a amava, e agora ainda mais.
    Lina era a garota mais linda que Gustavo já tinha visto. Desde que a viu pela primeira vez na garagem do seu prédio, quando tinha 14 anos, ele nunca mais a esqueceu. Lina estava ainda mais bonita. Gustavo percebeu que ela estava diferente, algo tinha mudado nela. Seus cabelos estavam soltos, emoldurando seu lindo rosto. Eles tinham crescido e estava quase na altura da cintura. Lina tinha os olhos pretos, tão pretos que pareciam duas jabuticabas. Tinha uma pequena boca que pedia para ser beijada. Quantas noites Gustavo dormiu sonhando que a segurava nos braços e a beijava com paixão. Tudo o que ele queria era poder sentir o gosto dos lábios de Lina. Seus pensamentos foram interrompidos por Gabriela que se abaixou em frente à seu irmão e se apoiou nos joelhos dele.
       ― Está tudo bem, Gustavo? ― disse baixo para que os outros não a ouvisse.
       ― Pensei que não gostasse mais dela, que a tinha esquecido. Mas ao vê-la ali na minha frente, vi que aquele amor que sempre senti por ela só estava guardado. Você sabia que ela tinha voltado? ― sua irmã acenou que não com a cabeça.
       ― Eu vou dizer que mudou de ideia. ― Quando ia se levantar, Gustavo a segurou.
       ― Não ― disse um pouco alto demais. ― Ter Lina na nossa equipe pode fazer Beto balançar, pode ser muito bom para nós, pela primeira vez os Lobos Vermelhos terão uma chance de vencer. Viu como o Marcelo saiu animado?
       ― Eu vi. Eu só não quero que você se magoe, meu irmão. Eles podem voltar. ― disse se referindo a Lina e Beto.
       ― Eu sei, Gabriela. Ter Lina ao meu lado por alguns momentos me fará bem. É tudo o que eu quero nesse momento. Não precisa se preocupar, minha irmã. Eu vou ficar bem.
       ― Tudo bem, Gustavo. Sabe que sempre vou apoiá-lo em suas decisões.
       ― Obrigado, Gabriela. Obrigado, minha capitã.
       Os dois sorriram. Gabriela levantou e se afastou do irmão. Gustavo era forte e decidido, o que Gabriela admirava em seu irmão. Gustavo só tinha uma fraqueza na vida, seu amor por Lina. Quando Gustavo estava com 14 anos e ela com 13, Gabriela entrou no quarto do irmão e o viu chorando. Não era um simples choro, Gustavo estava em prantos. Ela sentiu o quanto seu irmão estava sofrendo. Ver o irmão sofrendo daquele jeito, mexeu muito com Gabriela, daquele dia em diante passou a sentir uma raiva muito grande por Lina.
    Dias antes de ver seu irmão chorando, ele lhe contou de seu amor por Lina, contou de seu encontro com ela na garagem. Gabriela disse para seu irmão tentar conquistar Lina. Ela o aconselhou a enviar um bilhete dizendo que gostava dela. Gustavo seguiu o conselho de sua irmã e escreveu o bilhete. Dias depois soube que Lina estava namorando com Beto, um garoto que morava no mesmo conjunto que eles. Beto era um badboy que estava sempre arrumando encrenca. Gabriela nunca entendeu como Lina pôde ter se apaixonado por um garoto como ele. Depois que viu seu irmão sofrendo tanto por Lina, ela passou a sentir uma raiva muito grande por dela. No fundo Gabriela sabia que Lina não tinha culpa por Gustavo está apaixonado por ela, mas não conseguia controlar a raiva que sentia quando via Lina. Mas com o tempo essa raiva foi diminuindo. Depois que soube do sentimento do seu irmão por Lina, Gabriela passou a prestar mais atenção nela, e com o tempo passou a admirar o jeito de Lina. Às vezes Gabriela ficava olhando da janela do seu quarto, que dava para a Praça Principal do condomínio, ela via como todos gostavam de  Lina e como ela era amiga de todos. Às vezes Gabriela até a invejava por ter tanta liberdade, por ser tão espontânea em tudo o que fazia. Gabriela passou a ter raiva de Lina só quando a encontrava pelo condomínio e ela lembrava do dia que viu seu irmão chorando. Às vezes Gabriela se imaginava sendo amiga de Lina. Agora que Lina faria parte da equipe Lobo, talvez tivesse essa oportunidade. Ela estava feliz com a entrada de Lina na equipe. Só estava um pouco preocupada com Gustavo, que podia sair ainda mais machucado quando o jogo terminasse.
    Gabriela virou-se para seu irmão, que ainda estava sentado no chão, viu que ele ainda estava na mesma posição, parecia perdido em seus pensamentos. Pensamentos esses que com certeza eram com Lina.