quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Leia os Cinco Primeiros Capítulos do Livro Descobertas


Os cinco capítulos ficarão postados aqui até o dia 16/01.
Aproveitem para começar a ler essa história de amor, amizade, descobertas, traições, dramas familiares. Nesse romance tem de tudo um pouco. Convido a todos para conhecerem Lina e sua turma do Condomínio Tijolinho.
Venha se divertir com Lina, Rosana, Beto, Fernanda, Gustavo, Laurinha e tantos outros personagens que vocês vão poderão se identificar.


Livro: Descobertas 

Sinopse: 
Para fugir de um grande sofrimento, Lina passou um ano longe de sua família e de seus amigos. Mas, com o tempo, ela percebeu que há sofrimentos que nunca terminam. Com a ajuda de sua avó, ela aprendeu a conviver com esse sofrimento. Depois de ficar um ano sem ter contato com sua família e amigos, Lina resolve voltar para o Condomínio Tijolinho e restaurar suas antigas amizades. Durante o jogo Conquistar a Bandeira, ela verá o quanto seus amigos mudaram. Algumas mudanças a deixará feliz, mas outras a decepcionará muito. Ela fará novas amizades e uma delas mexerá muito com o seu coração. Sua volta fará com que novos e velhos segredos sejam descobertos, e Lina terá que enfrentar essas Descobertas.

Capítulo I

O Condomínio



          Lina vê passar pela janela do táxi as ruas do Rio de Janeiro, ele a levará de volta ao lugar de onde saiu há um ano. Enquanto olhava as belas paisagem passar, ela pensava em como tinha sido difícil aquele último ano. Quando se permitia olhar para trás, lembrava de todo o sofrimento pelo qual passou. Ao fechar os olhos uma lágrima de tristeza escorregou por sua face, ela rapidamente limpou o rosto e voltou a olhar para as ruas do Rio. Não podia fraquejar naquele momento, tinha que ser forte. Colocou a mão no peito, sentia que ao se aproximar do condomínio, seu coração batia cada vez mais rápido. Algumas vezes pensou que jamais voltaria. Mas agora estava de volta e teria que enfrentar tudo o que tinha deixado para trás. Por mais que Lina quisesse afastar de sua mente tudo pelo o que tinha passado um ano atrás, ela não conseguia. Parou de lutar com suas memórias, fechou os olhos e deixou que sua mente a levasse de volta a um ano atrás.
    A imagem de sua mãe jogando o telefone no chão depois de receber a notícia que seu pai tinha morrido, nunca saiu de sua cabeça. Lina jamais esquecerá aquele momento. Seu pai estava dando aula quando teve um infarto, não resistiu e morreu na sala de aula. Ao ouvir de sua mãe que seu pai tinha morrido, Lina sentiu seu mundo desabar. O pai era tudo para ela. Era seu amigo, seu confidente, alguém que ela realmente confiava. Henrique sempre dizia que tinha se apaixonado por ela assim que a viu na maternidade. Para Lina, Henrique era o pai perfeito, sempre carinhoso e atencioso com as filhas. Henrique tinha 40 anos quando morreu. Lina ouviu os amigos de seu pai comentarem durante o enterro, que ele era ainda muito novo para morrer. Sim, era ainda muito novo.
    Duas semanas depois da morte do seu pai, ela arrumou suas coisas e disse para sua mãe que não podia morar em um lugar onde lhe trazia tantas recordações de seu pai. Sônia fez de tudo para que ela mudasse de ideia, mas Lina estava decidida a morar com sua avó, mãe de seu pai, em Minas Gerais. Ela foi embora sem se despedir de ninguém. Decidiu durante a noite e na manhã seguinte sua mãe a levou até a rodoviária e a colocou em um ônibus para Divinópolis.
    Abriu os olhos e voltou a olhar as ruas pela janela do carro. A cidade do Rio de Janeiro não mudou nada em um ano, pensou Lina. Ela olhou para o relógio e viu que era 6:00hs da manhã, as pessoas começavam a se preparar para sair de casa e ir para o trabalho. Mais um dia começava na cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro.
    Lina escolheu chegar bem cedo, quando todos ainda estivessem dormindo. Ela não queria encontrar com ninguém pelo Condomínio Tijolinho, onde morava desde que nasceu. Assim que chegou na rodoviária, ligou para sua mãe e pediu que ela avisasse para Elano, o porteiro que ficava na portaria pela manhã, de sua chegada. Não queria ter que parar e se identificar. E foi o que aconteceu, assim que saiu do táxi, colocou o capuz por cima da cabeça e caminhou em direção à portaria. Elano abriu a porta de vidro para que ela passasse. Ele lhe desejou bom dia com um largo sorriso no rosto, como sempre vazia quando a encontrava naquela hora da manhã, ele gostava quando Lina parava e lhe contava como estava o jogo. Lina sempre gostou de conversar com Elano, mas naquele momento ela não queria falar com ninguém, levantou a mão direita e continuou seu caminho em direção à quadra onde ficava o seu prédio.
         Enquanto caminhava em passos largos, ela pensava em Elano. Ele era um grande amigo, sempre que podia ele a ajudava no jogo. Elano trabalhava como porteiro no condomínio há três anos. A amizade deles começou desde o primeiro dia que ele começou a trabalhar. Ela estava sendo perseguida por dois jogadores e com certeza eles a pegaria. Sempre que um jogador entrava na portaria, os porteiros o entregavam dizendo que ele estava escondido lá dentro. O síndico, o Sr. Ronaldo, um senhor de 70 anos que gostava de implicar com a garotada do condomínio, tinha dado ordens para todos os porteiros que dentro da portaria não tinha jogo, se os garotos estivessem jogando, era para mandar que saíssem da portaria. Lina sabia dessa regra, mas se ela não entrasse, com certeza seria pega. Ela tinha que tentar. Lina entrou na portaria e foi para trás do balcão, onde ficavam os porteiros. Abaixou e ficou nos pés de Elano. Ele olhava para ela sem entender. Lina lhe implorou que não lhe entregasse. Ele não a entregou. E desde esse dia eles viraram grandes amigos. Lina sofria por ter passado pela portaria e não ter parado para conversar um pouco com Elano, como sempre fazia. Elano era um rapaz de bom caráter e muito trabalhador. Ele tinha 25 anos. Tinha vindo da Paraíba depois que seu tio, que também era porteiro no condomínio, conseguiu um emprego para ele.


    Dentro do apartamento 306, Sônia andava de um lado a outro da sala, estava muito nervosa com a chegada de Lina. Sônia era uma mulher muito bonita, tinha uma aparência jovem. Tinha os seus cabelos castanhos escuros e ondulados que iam um pouco abaixo dos ombros, Lina tinha os cabelos iguais aos da sua mãe, mas os seus iam até a cintura, seus olhos também eram parecidos com os dela, pretos. Laurinha parecia mais com Henrique, seus cabelos eram castanhos claros e olhos castanhos amendoados, na aparência as duas eram uma mistura dos dois. Sônia tinha 38 anos, mas ninguém lhe dava essa idade, parecia ter dez anos a menos. Mas não era isso que ela achava ao olhar-se no espelho, sentia que tinha envelhecido uns dez anos naquele último ano. Passou por tantos sofrimentos. A morte do marido, o afastamento de Lina. Sônia chegou a pensar que jamais seria feliz novamente. Mas agora com a volta de Lina ela tinha esperança de poder ser feliz novamente.
    ― Calma, mãe! ― pediu Laurinha pela décima vez. ― Daqui a pouco ela está aí. ― Sua mãe estava nervosa desde que recebeu o telefonema de sua avó na noite anterior dizendo que Lina tinha resolvido voltar para casa e que estava levando-a para a rodoviária para colocá-la no ônibus.
    ― Estou muito nervosa, não sei como ela vai reagir quando souber do Antônio.
    ― Mãe, ela não precisa saber sobre o Antônio hoje. Deixe ela se sentir à vontade primeiro, depois a senhora conversa com ela sobre isso.
    Sônia olhou para sua filha caçula e sorriu. Laurinha tinha somente 13 anos, era ainda uma criança, mas tinha amadurecido muito naquele último ano. A morte de Henrique tinha mudado suas filhas. Sônia pensou melhor e viu que Laurinha estava certa, contaria sobre o seu namoro com Antônio depois que Lina tivesse mais à vontade em casa e com ela. Lina teria que entender que ela tinha o direito de refazer sua vida. Teria que entender que ela sempre amaria Henrique, mas que ele tinha morrido e ela não. Ela ainda estava viva e tinha o direito de tentar ser feliz novamente.
    Nesse momento Sônia ouviu o barulho de chave abrindo a porta. Virou e esperou que Lina entrasse no apartamento. Seu coração estava disparado dentro do peito. Tinha um ano que não via e nem falava com Lina. Ela não sabia como seria o reencontro entre elas. Laurinha continuou sentada no sofá, ainda estava magoada com sua irmã por ela ter viajado sem se despedir.
    ― Oi, mãe ― disse Lina assim que entrou na sala.
    ― Oi, minha filha.
    Sônia foi até Lina e a abraçou. Ao abraçá-la, percebeu o quanto tinha sentindo a falta de sua filha mais velha, seu coração transbordava de alegria por tê-la em seus braços novamente. Laurinha se aproximou e também abraçou sua irmã. As três ficaram se olhando em silêncio. Com certeza elas tinham muito o que dizer uma para outra. Lina queria pedir desculpas por ter ficado longe delas durante aquele ano e dizer que sentiu muito a falta delas. Sônia queria dizer que a amava e que estava muito feliz por tê-la de volta. E Laurinha queria gritar com Lina por ter se afastado dela e dizer que era bom ter sua irmã de volta. Mas nada foi dito.
    ― Você deve está cansada da viagem ― disse Sônia ao se afastar. ― Eu preparei o café da manhã como você gosta, pãozinho com creme em cima, queijo branco e suco de melancia.
    ― Eu vou tomar um banho primeiro.
    ― Eu vou ajudá-la a levar suas coisas para o quarto ― disse Laurinha pegando a mochila das mãos de Lina. ― Vamos, o quarto ainda é no mesmo lugar.
    Ao entrar em seu quarto, Lina olhou para sua cama e sorriu. Em alguns momentos de solidão, quando estava na casa de sua avó, ela chegou a pensar que sua mãe talvez tivesse se livrado da sua cama. Mas ela ainda estava lá, no mesmo lugar e esperando por ela. Lina sentou na cama e a alisou. Ao sentir o contato com sua cama, ela notou o quanto sentiu falta de tudo aquilo. Era muito bom estar de volta. Ela tinha feito a escolha certa.
    ― Quer que eu a ajude a tirar suas coisas de dentro dessa mochila velha? Pensei que já tivesse se livrado dela ― olhou para a mochila e balançou a cabeça.
    ― Ela é o meu amuleto da sorte. Foi a primeira mochila que papai me deu. Eu tinha uns cinco anos.
    ― Eu sei, já ouvi muitas vezes essa história. Mamãe brigou com ele porque era uma mochila para adolescente e não para uma menininha de 5 anos. Ela guardou a mochila e comprou uma da Cinderela, e você odiou a mochila, queria usar a que papai comprou.
    ― Ela teve que dizer que roubaram a mochila. Quando descobri a verdade fiquei com muita raiva da mamãe, mas depois eu esqueci.
    Ficaram em silêncio. Laurinha colocou as roupas de sua irmã no lado do guarda-roupa que sempre foi dela. Parou o que estava fazendo ao ouvir a pergunta de Lina.
    ― Ainda está muito magoada comigo?
    Laurinha ficou de frente para sua irmã. Lina viu que Laurinha estava muito séria. Levantou e se preparou para o que vinha.
    ― Muito, Lina. Eu também estava sofrendo pela morte do papai. Ele também era meu pai, Lina ― gritou a última parte. Lina viu que sua irmã queria colocar para fora toda a magoa que estava guardada em seu peito. ― Você foi muito má comigo, Lina. Viajou sem se despedir. E durante um ano não quis falar nem comigo e nem com a mamãe. Não sabe o quanto ela sofreu!
    ― Desculpe, Laurinha. Eu estava sofrendo muito. Tudo fazia me lembrar do papai e da dor que eu sentia. Essa casa, você, a mamãe. Foi demais para mim, Laurinha. Me desculpe por magoá-la, não era o que eu queria.
    Laurinha não esperava pela reação da irmã. Lina estava em prantos enquanto lhe pedia desculpas repetidas vezes. A primeira vez que viu Lina chorar foi quando seu pai morreu, um ano atrás. Lina sempre foi uma garota forte, nunca chorava, nem quando levava bronca dos seus pais. Laurinha percebeu que Lina tinha mudado durante aquele ano que passou longe dela e de sua mãe, não era mais aquela garota forte que parecia não se importar com nada e com ninguém. Ela estava fraca e frágil.
    Laurinha se aproximou de sua irmã e a fez sentar na cama. Lina pegou nas mãos dela.
    ― Me desculpe, Laurinha. Eu juro que não queria magoar você e nem a mamãe. Eu não queria magoar ninguém, eu só queria parar de sofrer. Eu me afastei porque estava desejando tanto morrer, que tive medo de cometer uma loucura. Eu pensei que ao me afastar de tudo o que me lembrava do papai, eu pararia de sofrer. Mas não foi assim ― Lina olhou para a foto de seu pai que ficava em cima da cômoda. ― Eu aprendi durante esse ano que fiquei longe de vocês, que eu vou ter que conviver com essa dor para sempre. Que eu tenho que aprender a viver com ela. Eu senti tanto a falta de vocês duas. Eu percebi que além da vovó, ninguém mais além de vocês duas poderiam saber o que eu estava sentindo, a dor que eu sinto e que sempre sentirei. Porque como eu, vocês também o amava e sentem a mesma falta que eu sinto dele. Eu quero muito ficar perto de vocês. Eu aprendi com a vovó que falar sobre ele, como ele era, as coisas que ele gostava, momentos que passamos com ele, ajuda a amenizar um pouco a dor. Tinha dias que nós duas passávamos horas falando do papai, eu até ria nesses momentos. Vovó sempre contava coisas engraçadas sobre ele. Nesses momentos eu até me sentia feliz. Com o tempo eu percebi que vocês duas teriam coisas recentes para falar do papai. E nós três podíamos passar algum tempo falando sobre ele. E assim tentar trazer o papai para perto de nós outra vez.
    ― Quando eu e a mamãe estamos sozinhas, ela sempre diz que se o papai estivesse aqui, ele com certeza comentaria algo sobre algum jogo. ― As dois sorriram ao lembrar dessa mania que o pai tinha.
    ― Qualquer silêncio papai aproveitava para comentar sobre algum jogo ― lembrou Lina.
    ― Nessas horas eu e a mamãe comentamos sobre algo que ele tenha falado. No final nós sempre rimos. ― As duas se olharam em silêncio.
    ― Vamos sempre nos lembrar dele ― disse Lina ainda segurando as mãos de sua irmã.
    Sônia estava em pé do lado de fora do quarto das meninas, ela ouviu todo o desabafo de suas filhas. Tudo o que tinham conversado. Ela chorava ao ver o quanto suas filhas sofreram e ainda sofriam pela morte de Henrique. Ela pensou em entrar e abraçá-las, dizer que as amava e que estaria sempre ao lado delas. Mas achou melhor não interromper aquele momento.
    Depois que as três tomarem o café da manhã juntas, Sônia teve que ir trabalhar, seus alunos a esperava. Laurinha foi com sua mãe para a escola.
    Uma hora depois, Lina estava sozinha no apartamento, sua mãe tinha ido para a escola Prof.° Lourenço Leão, onde era professora de História. Sua irmã estudava na mesma escola que sua mãe trabalhava, que também era a mesma escola que ela estudava. Lina deitou na cama, mas não conseguiu dormir mesmo estando cansada depois de uma noite toda viajando de ônibus. Tantas coisa passavam por sua cabeça, tantas coisas que ela ainda teria que fazer até colocar sua vida nos eixos novamente. E ela sabia o que tinha que fazer primeiro.
    Lina levantou da cama e foi até a sala. Seu quarto não tinha telefone, exigência do seu pai, ele dizia que adolescentes não podiam ter telefone nos quartos. Nessa época ela e seu pai tiveram uma forte discussão, e como sempre ele fez com que ela entendesse que estava certo. Lina pegou o telefone e sentou no sofá, discou o número e ligou para sua melhor amiga, Rosana. Lina sabia que naquele momento ela estaria sozinha em casa, que a Sra. Ângela, mãe de Rosana, já teria saído para o trabalho. Sabia também que ela só estudava na parte da tarde. Rosana também estudava na escola Prof.° Lourenço Leão, que ficava no Grajaú. O Ensino Médio era na parte da tarde e o Fundamental na parte da manhã. Lina ficou um pouco receosa em ligar, não sabia como Rosana a trataria. Escutou o toque de chamada e seu coração começou a acelerar, tinha um ano que não falava com sua melhor amiga.
    ― Alô ― falou a voz do outro lado da linha.
    Lina se acovardou e não respondeu, era Rosana.
    ― Alô, quem é? ― Rosana disse impaciente por ninguém lhe responder.
    ― Rô? ― disse Lina um pouco receosa.
    Agora foi a vez de Rosana ficar em silêncio.
    ― Rô, sou eu, Lina.
    ― Eu sei quem é. ― Rosana estava feliz em ouvir a voz da amiga, mas decidiu não demonstrar, ela ainda estava magoada por Lina ter viajado sem se despedir e ter ficado todo esse tempo sem ligar para ela. ― Depois de um ano você lembrou dos amigos, Lina?
    ― Sei que deve está muito magoada comigo, Rô. Me desculpe.
    ― Sei que estava sofrendo, Lina. Mas não devia ter se afastado de quem a amava. Eu liguei tantas vezes para a casa da sua avó. Ela sempre dizia que você não estava, ouvi tantas vezes isso que acabei desistindo de ligar.
    ― Eu sei, Rô. Vamos conversar. Está ocupada?
    ― Não, estou de bobeira. Pode falar?
    ― Pelo telefone não. Me encontra no cantinho.
    ― No cantinho? Lina, você está no Rio? ― Rosana tentou disfarçar sua felicidade.
    ― Estou em casa, Rô ― Lina sorriu. Ela percebeu que havia felicidade na voz da amiga ao saber que ela estava no Rio. Isso queria dizer que a amizade delas não estava perdida. ― Cheguei agora de manhã. Pode me encontrar no cantinho?
    ― Estou indo para lá ― tentou não parecer muito ansiosa.
    As duas desligaram o telefone ao mesmo tempo. Rosana ficou andando de um lado a outro da sala, por um momento não sabia o que fazer. A felicidade de saber que sua melhor amiga estava de volta deixou Rosana tonta por uns instantes. Ela parou e decidiu o que faria. Foi até seu quarto e pegou seu boné pink, sua marca registrada, Rosana nunca saía sem aquele boné, já foi até em um casamento com ele. Aquele boné significava muito para ela, foi o primeiro presente que Lina lhe deu. Foi em sua festa de aniversário de seis anos, meses depois de terem  se conhecido. Depois disso passou a ter paixão por bonés e começou sua coleção. Ela tinha vários bonés, de várias cores e estilos. Voltou para a sala, pegou sua chave em cima da mesa e saiu apressada.
    Enquanto descia as escadas para ir ao encontro de Lina, Rosana pensava no quanto o cantinho significava para as duas. Lembrou do momento em que conheceu Lina no cantinho.
    Rosana lembrou que conheceu Lina quando faltava três meses para completar 6 anos. Em uma manhã de primavera, Renata, sua babá, a levou para brincar no Play do seu prédio. Renata cuidava dela enquanto sua mãe trabalhava. Sempre na parte da manhã Renata levava Rosana para brincar um pouco no Play. Nesse dia, Renata se descuidou e Rosana se afastou indo em direção ao prédio onde Lina morava, no conjunto ao lado do seu. Ela abriu a porta que dava para as escadas.
    Ao abrir a porta, Rosana ouviu um barulho vindo do andar de cima, aquele barulho chamou sua atenção. Antes de partir para sua aventura, descobrir a origem daquele barulho, ela olhou para onde Renata estava e a viu conversando com um homem, ela sorria para ele. Rosana pensou que Renata estava tão distraída que não ficaria preocupada com ela. Entrou no corredor e olhou em direção as escadas, começou a subir degrau por degrau. Ela queria muito saber que barulho era aquele. Subiu até o primeiro andar e não viu nada. Ouviu novamente o barulho. Resolveu então se aventurar mais e foi para o segundo andar, mas também não viu nada. Subiu para o terceiro. Quando chegou no segundo lance de escadas, viu uma menina, que deveria ter a  sua idade, sentada no meio da escada. A menina estava com um conjunto de short e blusa verde, com uma sandália de dedo verde, combinando com a roupa, e em seu cabelo uma fita pink, que chamava atenção pelo contraste com a roupa. Rosana ficou olhando para a fita.
    ― Eu gosto dessa fita. Não me importa que ela não combine com o resto. Ela combina comigo.
    O modo como a menina falou aquelas palavras, encantou Rosana. Ela falou com uma voz decidida, como se só a opinião dela importasse para ela.
    ― Eu ouvi um barulho e vim ver o que era. ― Rosana estava fascinada por aquela garota em sua frente. Tão decidida!
    ― Fui eu, com o pé ― bateu com o pé no chão. ― Gosto de ficar aqui sozinha.
    ― Você quer que eu vá embora?
    ― Não. Senta aqui ― indicou o lugar ao seu lado.
    Rosana subiu devagar e sentou no lugar indicado pela menina. A menina desandou a falar.
    ― Meu nome é Carolina, mas todos me chamam de Lina, eu prefiro Lina. Qual é o seu nome?
    ― Rosana.
    ― E como todos a chamam?
    ― De Rosana ― disse levantando os ombros como senão tivesse entendido a pergunta.
    ― Rosana é muito grande. Eu vou chamá-la de Rô. Você gosta?
    Rosana pensou um pouco e sorriu.
    ― Gosto.
    ― Então de agora em diante você será Rô, minha melhor amiga.
    ― Sua melhor amiga?
    ― É. Você não quer ser minha melhor amiga? Você já tem uma melhor amiga?
    ― Não.
    ― Eu também não. Então de hoje em diante seremos melhores amigas. Para a vida toda.
    Daquele dia em diante as duas nunca mais se separaram. Aquele lugar, entre o segundo e o terceiro andar, passou a ser o cantinho delas. Sempre que queriam está sozinhas elas iam para o cantinho. Todos no condomínio admiravam muito a amizade das duas meninas. Uma amizade que já durava por 12 anos. Rosana sentia que aquele ano que tinham passado separadas não mudaria a amizade delas. Isso era o que Rosana esperava.
    Rosana saiu do seu prédio e foi em direção ao prédio de Lina. Rosana morava no terceiro conjunto de prédios do Condomínio Tijolinho. Era chamado assim por causa do muro que era feito todo de tijolinho marrom. O primeiro conjunto ficava os prédios com três quartos ou mais, eram os mais caros, para famílias com melhores condições. Lina morava no segundo conjunto de prédios, era os prédios de dois quartos. Seus pais trabalhavam muito para dar o melhor para ela e sua irmã Laurinha. Henrique também era professor de História como sua esposa Sônia, eles tinham se conhecido durante a faculdade de História. Ele dava aulas em um colégio particular na Tijuca. O terceiro conjunto, onde Rosana morava, ficavam os prédios de apenas um quarto.
          Rosana entrou no prédio de Lina e parou antes de subir o primeiro lance de escada. Tentou se acalmar antes de encontrar com a amiga. Subiu devagar os degraus que a levaria até Lina. Quando Rosana chegou no cantinho, Lina já estava à sua espera, estava sentada no mesmo lugar onde a viu pela primeira vez há 12 anos. As duas se olharam em silêncio. Lina viu que Rosana não tinha mudado muito, seus cabelos castanhos claros ainda estavam na altura dos ombros, ainda tão lisos como antes. Rosana sempre reclamava que nada ficava preso em seu cabelo.
    Foi Lina que quebrou o silêncio.
       ― Senta aqui ― disse indicando o lugar ao seu lado.
       O mesmo lugar que ela indicou quando elas tinham 5 anos. Rosana subiu os poucos degraus e sentou ao lado de Lina. Aquele ano separadas a fizeram, naquele momento, se sentirem como duas estranhas. Aquilo incomodou muito a Lina, que sabia que ela que tinha provocado aquela situação.
       ― Eu sei que vai demorar para que me desculpe. Eu só queria que soubesse que senti muito sua falta. Foi muito difícil ficar sem falar com você durante esse ano que passou.
       Lina estava preparada para ouvir a bronca que viria de Rosana, ela sabia que tinha a magoado e merecia ouvir tudo o que Rosana estava sentindo. Mas ficou surpresa com o que Rosana lhe disse:
       ― Eu a desculpo. ― As duas se olharam ao mesmo tempo.
       Lina não esperava ser perdoada por Rosana assim tão rápido. Lina pensou que no começo teria que lidar com o desprezo de sua mãe, de Laurinha e de Rosana. Mas não era o que estava acontecendo. Todas estavam sendo muito compreensivas com ela. Isso fazia com que Lina se sentisse ainda mais pior por tê-las ignorado durante todo aquele ano. Rosana ligou para ela todos os dias durante dois meses, ela sempre pedia para sua avó dizer que ela não estava, depois os telefonemas pararam. Sua mãe e sua irmã também ligaram várias vezes durante o tempo que ficou na casa de sua avó, mas Lina nunca as atendeu. Ela não merecia toda aquela compreensão.
       ― Eu a entendo, Lina. Você e seu pai eram muito ligados. Você estava sofrendo muito. Meu pai me deixou quando eu era muito pequena, nem me lembro dele. Era muito bonito a amizade que você tinha com o seu pai. Eu sabia que você precisava de um tempo para aceitar tudo o que aconteceu. Depois de um tempo eu fiquei com medo que você nunca mais voltasse. O tempo foi passando e alguns passaram a acreditar que você nunca mais voltaria. Eu também senti muito a sua falta, Lina. Fico feliz que tenha voltado.
       Lina abraçou Rosana que retribuiu o abraço da amiga. As duas se gostavam muito, eram como se fossem irmãs. As duas estavam muito felizes naquele momento. Quando se afastaram elas começaram a falar ao mesmo tempo o que tinha acontecido naquela ano com elas. As duas falavam ao mesmo tempo e nem se importavam se a outra não estava entendo, elas só queriam falar. Momento depois as duas se calaram e começaram a ri. Depois com mais calma uma ouviu a outra. O mais importante para as duas era saber que durante aquele tempo uma não esqueceu da outra. A todo momento as duas paravam o que estavam falando e diziam que tinham sentido muito a falta da outra. Depois de cada uma saber o que tinha acontecido com a outra, Lina perguntou:
       ― O que aconteceu aqui no condomínio?
       Rosana sabia o que ou sobre quem Lina queria saber. Mas deixaria que ela perguntasse.
       ― Muitas coisas, Lina. Sobre quem você quer saber? ― perguntou sorrindo.
       ― Beto.
       ― Ele ficou muito mal quando você terminou com ele ― disse muito séria. ― Ele quase surtou quando soube que você viajou para a casa da sua avó e que sua mãe não sabia quando você voltaria, e se voltaria. Ele foi até a minha casa saber o que você tinha falado comigo. Foi quando eu soube que você tinha viajado. Ele me olhou sério e disse: se nem você sabia, a coisa então é séria! ― Rosana sorriu, mas depois ficou séria. ― Fechei a porta e corri para sua casa. Assim que entrei Laurinha estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. Ela disse entre lágrimas que nem dela você se despediu.
    Lina ficou muito mal ao saber da dor que tinha causado em sua irmã.
        ― Eu estava sofrendo tanto que não pensei que fosse causar tanto sofrimento com minha partida. Me desculpe, minha amiga.
        ― Eu já a desculpei, Lina. Não pense mais nisso. Quer saber mais sobre o Beto? ― Lina acenou que sim com a cabeça. ― Ele namorou com algumas garotas, mas todas do colégio dele. A última ele ficou uns três meses, acho até que ele estava gostando dela, mas ela deixou ele para ficar com o Yvan. Mas já terminaram. Mas isso fez com que a amizade dos dois acabasse. Eles se falam, mas não é mais como antes. O Beto está sozinho agora. Isso a magoa?
       ― O que? Saber que o Beto namorou outras garotas?
       ― É.
       ― Não, Rô. Eu gosto do Beto, senti falta dele. Mas o que eu sentia por ele não é o mesmo que antes. Muitas coisas mudaram para mim. Eu quero ficar sozinha por um tempo. E os outros? A Marcinha se mudou? Antes de ir viajar a família dela estava para se mudar.
        ― Mudaram. Muitos outros mudaram durante esse ano que você ficou fora. E muitos outros chegaram.
        ― Algum gatinho?
        ― Lina! Você acabou de dizer que quer ficar sozinha ― disse sorrindo.
        ― Só para saber ― disse Lina cutucando sua amiga.
        ― Só pirralho. Mas até que são pirralhos bonitinhos. ― As duas caíram na gargalhada.
        ― E o jogo? Continuam jogando?
       ― Depois que você viajou ficamos alguns meses sem ânimo para jogar. Nada mais era como antes.
       Ficaram em silêncio por alguns instantes. Lina nunca imaginou que sua partida fosse deixar tantas pessoas magoadas com ela. Pensar nisso a deixou chateada. Todos gostavam de jogar o jogo Conquistar a Bandeira, mas com o tempo ficou mais conhecido como o jogo. Conquistar a Bandeira foi inventado por Lina e Beto. Os dois estavam conversando na Praça Principal, a praça que ficava no meio do condomínio, eles não tinha nada para fazer e estavam entediados com aquilo. De repente Beto deu a ideia de brincarem de pique bandeira. Lina disse que era um jogo bobo. Mas como ele gostava de brincar, tentou convencê-la de todas as maneiras. Lina então deu a ideia de melhorarem um pouco o pique bandeira, deixá-lo mais interessante. Eles começaram a conversar e bolaram um novo jogo. Depois de montarem o jogo como queriam, com algumas regras, os dois foram conversar com a turma do condomínio e todos ficaram animados para jogar o jogo Conquistar a Bandeira. O jogo seria jogado por duas equipes, com um comandante e um capitão cada equipe. O objetivo do jogo era capturar a bandeira que ficaria sempre com o comandante. O jogo tinha algumas regras que senão fossem cumpridas dava a vitória para a outra equipe. Lina sempre se orgulhava muito de ter inventado o jogo junto com Beto. No começo os dois eram sempre os comandantes e tinham que jogar sempre um contra o outro, mas com o tempo outros quiseram ser comandante e Lina ficou como capitã de Beto. Ganharam algumas vezes e também perderam algumas. Ganhava quem tinha a melhor estratégia no jogo.
       ― Nós vamos jogar hoje.
        ― Hoje? Você não tem aula?
        ― A maioria que estuda de tarde não tem aula hoje. Vamos esperar o pessoal que estuda na parte manhã chegar para começar. Você quer jogar? ― perguntou animada.
       ― Não, Rô ― disse desanimada. ― Quem são os comandantes? Ou melhor quem é o comandante da outra equipe? ― Riram.
       ― Beto e Gustavo.
       ― Gustavo? Morador novo?
       ― Não, Lina. Não lembra dele? Ele mora no primeiro conjunto, o pai dele é médico. É um loirinho. Ele é um gatinho. A família dele mora aqui há muitos anos. Ele tem uma irmã que se chama Gabriela. Eles se parecem muito, os dois são loiros de olhos verdes.
       ― Eu estou lembrando dele. Na verdade me lembro mais da irmã dele. Sempre que nos encontramos ela me olha com um olhar de ódio. Acho que ela sempre foi apaixonada pelo Beto, por isso me odeia.
       ― Como muitas garotas. ― Riram.
       Beto era mesmo um garoto muito bonito, era moreno, de cabelos pretos repartido do lado. Tinha a mesma idade que Lina e Rosana. Era o badboy do pedaço, estava sempre arrumando confusão no condomínio, principalmente com o síndico do conjunto I. Lina conheceu Beto em uma festa do condomínio. Ela tinha 13 anos e ele tinha acabado de se mudar, morava no segundo prédio do conjunto I, o pai dele era advogado e por causa disso quase não ficava em casa. Lina acreditava que Beto era rebelde por causa disso, aprontava para chamar a atenção do pai. No meio da festa Beto chegou perto dela e disse que ela seria sua namorada, pegou em sua mão e sorriu, o sorriso mais lindo que Lina já tinha visto. Ela se apaixonou por ele naquele momento. Eles conversaram e viram que tinham algumas coisas em comum. Lina tinha ganhado um Skate de presente do seu pai, mas não sabia andar, Beto disse que a ensinaria. Beto foi o primeiro e único namorado de Lina. Namoraram por três anos. Mas no último ano o namoro deles não ia muito bem, Lina pensou várias vezes em terminar. Beto estava cobrando dela uma prova de amor, ele queria que eles fizessem sexo, mas Lina queria casar virgem, como sua mãe e sua avó. Ela queria ter somente um homem em sua vida, seu marido. Ela conversou isso com Beto, ele disse que eles iam se casar, que ele seria o único homem da vida dela. Mas, por mais que Lina gostasse de Beto, ela não o via como seu marido. Ela olhava para Beto e não conseguia vê-lo como marido dela e de nenhuma outra garota. Mas ao lembrar de Gustavo, ela pensou que ele sim seria um bom marido para qualquer garota.
       ― Eu não lembro deles terem jogado o jogo.
       ― E não jogaram. Estávamos meses sem jogar quando ele e sua irmã apareceram com alguns garotos novos e disseram que queriam jogar Conquistar a Bandeira, que eles podiam ganhar. Ao dizer isso, Gustavo atiçou o lado competitivo de Beto que aceitou na hora o desafio. E foi assim que voltamos a jogar. Gustavo nunca ganhou de Beto. Mas é um comandante muito sério.
       ― O jogo ainda demora dias para terminar? Lembra daquela vez que jogamos quase por uma semana?
       ― Eu lembro ― sorriu Rosana ao lembrar. ― Ainda bem que estávamos de férias. Você e Beto estavam impossível. Era um tal de prender jogador, soltar jogador. Pensei que aquele jogo não fosse terminar nunca.
       ― No final nós ganhamos ― lembrou Lina. ― O jogo ainda é jogado à noite?
       ― Não mais. O jogo dura no máximo um dia, às vezes apenas algumas horas.
       ― Algumas horas? Isso não é possível, Rô. O jogo foi pensado para durar dias. Você disse que o Gustavo era um bom comandante.
       ― Ele é um bom comandante para seus jogadores, mas não para o jogo. O Beto sempre ganha.
       Lina ficou surpresa que Beto aceitasse jogar naquela condição. Conquistar a Bandeira era um jogo de estratégia e Beto nunca foi de gostar de ganhar fácil. Pelo o que Lina pôde ver, Beto também tinha mudado.
       As duas continuaram conversando durante mais algum tempo, depois Rosana se despediu e disse que tinha que se encontrar com o pessoal da equipe.
       ― Tem certeza que não quer mesmo jogar? ― perguntou ao descer alguns degraus.
       ― Tenho, Rô. Vou descansar um pouco, meu corpo ainda está um pouco dolorido por causa da viagem. Estou muito feliz pelo nosso reencontro e por você ter me desculpado.
       ― Eu também estou muito feliz por você ter voltado. Tudo será como antes agora.
       ― Posso pedir um favor?
       ― Não precisa, Lina. Eu não vou falar para ninguém que você chegou. Eu estou feliz que você tenha vindo falar comigo primeiro.
       ― Boa sorte, Rô.
       ― Obrigada, Lina.
       Rosana desceu as escadas e Lina foi para seu apartamento. Enquanto descia as escadas, Rosana se perguntava se tudo seria mesmo como antes? Ela tinha percebido, mesmo não querendo, que algo na amizade delas tinha mudado. E agora tinha a Anna. Como Lina reagiria ao saber de Anna? Em breve todas aquelas perguntas seriam respondidas.



Capítulo II

O Jogo


       Assim que Lina chegou em seu apartamento, depois da conversa com Rosana, deitou  em sua cama para descansar, mas seus pensamentos não a deixaram descansar como queria. A conversa que teve com Rosana não saía de sua cabeça, a todo momento ela repassava a conversa das duas. Lina estava muito feliz por ver que tinha sua melhor amiga novamente em sua vida. De repente a imagem de Beto e Gustavo veio em sua mente. Um sorriso brotou em seus lábios ao pensar o quanto aqueles dois comandantes eram diferentes. Ela lembrou que Rosana comentou que Gustavo era um comandante que pensava em seus jogadores.
    ― Talvez por isso ele sempre tenha perdido o jogo ― pensou Lina em voz alta.
    Beto só pensava no jogo e se tivesse que perder todos os seus jogadores para ganhar o jogo, ele não se importava. Lina suspirou ao lembrar de Beto, seu primeiro e único namorado. Seu coração batia forte só em pensar nele. Beto era o badboy do condomínio, enquanto Gustavo era o garoto certinho. Lina lembrava um pouco do garoto que morava no primeiro prédio do conjunto I e que não falava com ninguém do condomínio. Lina não conseguia imaginar aquele garoto, que uma vez a encarou na garagem do prédio dele, conversando e sendo amigo de todos no condomínio. Pelo o que ela lembrava, ele era um ano mais velho que ela. Quando ela tinha ido para a casa de sua avó, ele tinha entrado na faculdade, então agora ele deveria está no segundo ano da faculdade de medicina. Lina lembrou desse fato porque seu pai comentou que o pai de Gustavo estava muito orgulhoso pelo filho estar seguindo a mesma profissão que ele. Gustavo era um garoto todo certinho, do tipo que nunca cabulou aula. Lina lembrava de mais uma coisa, que a metade das garotas do condomínio era afim de ficar com ele, mas ele nunca olhou com interesse para nenhuma delas. Gustavo era o genro que toda mãe gostaria de ter, ao contrário de Beto. Uma vez sua mãe lhe disse que Beto não tinha nada haver com ela, que com o tempo ela perceberia isso. Ela sabia que seus pais não gostavam muito do seu namoro com Beto, mas eles respeitavam sua decisão. Mais uma coisa chamou a atenção de Lina, que até mesmo na aparecia os dois eram diferentes. Beto era moreno de olhos castanhos, tinha cabelos pretos, seu cabelo batia um pouco acima dos ombros, ele usava os cabelos sempre atrás das orelhas. Gustavo era loiro com olhos verdes, era moreno bem claro, seu cabelo era bem curtinho. Os dois tinham a mesma altura, 1.75m. Com certeza não tinha no mundo dois garotos mais diferentes do que Beto e Gustavo. Assim pensava Lina. E de tanto pensar, acabou adormecendo.


       Em outra parte do condomínio Rosana esperava ansiosa por Anna. Ela estava na Praça da Academia, assim era chamada a praça que ficava entre o Salão de Festas e a Casa dos Funcionários; era chamada assim porque tinha alguns aparelhos de musculação no meio da praça. Rosana estava muito ansiosa para contar a novidade para Anna. Ela tinha prometido não contar para ninguém que Lina tinha voltado, mas Anna não era ninguém, ela era uma pessoa que Rosana gostava muito. Anna a tinha ajuda a entender e a dar o tempo que Lina precisava.
       ― O que foi, Rô? Parecia agitada no telefone. Pensei que o jogo só começaria depois do almoço ― disse Anna ao sentar ao lado da amiga em um dos bancos da praça.
       ― Não é nada sobre o jogo. Tenho algo muito bom para lhe contar.
       ― O que é? Estou curiosa.
       ― Lina voltou.
       Ao ouvir a novidade, Anna parou de sorrir. Ela sempre teve medo que a melhor amiga de Rosana um dia voltasse e a afastasse dela. Ela tinha ouvido muito falar de Lina pelo condomínio, e por Rosana também. Todos diziam que Lina parecia muito com Beto, no modo de pensar e no modo agir. Se Beto não a aceitava, Lina também não a aceitaria. Anna tinha medo que por causa disso Rosana se afastasse dela.
       ― O que foi, Anna? ― Rosana percebeu a mudança dela. ― Nada vai mudar, Anna. Eu gosto muito de você.
       ― E se Lina não me aceitar?
       ― Lina mudou muito com a morte do pai. Ela vai entender. ― Rosana segurou a mão dela para lhe passar segurança.
       Anna olhou para a mão de Rosana que estava entrelaçada com a sua. Ela não queria se afastar dela, Rosana era muito importante para ela.
       ― Quer almoçar na minha casa? ― perguntou Rosana sorrindo. ― Podemos esperar pelo telefonema do Gustavo lá. ― Rosana queria que Anna soubesse que nada mudaria. ― Ele ficou de ligar quando tivesse indo encontrar com a equipe no lugar de sempre. Quando ele ligar eu digo que você está lá. Vamos?
    Anna sorriu e acenou que sim.


       Lina abriu os olhos e olhou tudo em volta, olhou para o relógio em sua mesinha de cabeceira e viu que já estava na metade da tarde. Viu Laurinha sentada na escrivaninha onde estudavam. Laurinha sentiu que era observada e olhou em direção da cama de sua irmã.
       ― O que foi, por que está rindo?
       ― Estou feliz por acordar e vê-la sentada aí, estudando. Senti falta disso.
       ― Não sentiu falta de estudar também não? ― implicou com Lina.
       ― Disso não, pequena.
       ― Pois então comece a pensar nisso, grandona. Mamãe passou na secretaria e abriu sua matrícula. Acho que você começa na segunda. Depois ela vai conversar com você sobre isso.
       ― Eu queria ficar um pouco em casa.
       ― Lina! Você já perdeu um ano, quer perder mais um? Terá que fazer o segundo ano de novo.
       ― Eu sei, pequena. Você e mamãe estão certas. Tenho que começar minha vida de novo. Eu vou para a sala para não atrapalhar seus estudos. A mamãe ainda está na escola?
       ― Está. Hoje ela dá aula de manhã e de tarde. Se quiser comer, eu fritei alguns empanados e tem macarrão na geladeira, é só esquentar no micro-ondas. Eu não a acordei porque você dormia tão tranquilamente, parecia que estava tendo um sonho muito bom.
       ― Obrigada, pequena. Não estou com fome, como depois. Que hora a mamãe vai chegar?
       ― No final da tarde.
       ― Vou ficar na sala e ver um pouco de televisão.
       ― O pessoal está jogando o jogo.
       ― Eu sei. ― Lina foi em direção à porta, mas parou quando Laurinha a chamou.
       ― Estou feliz em ouvir você me chamar de pequena novamente.
       ― Pensei que não gostasse.
       ― Eu também pensava ― sorriu.
       Lina foi até sua irmã e beijou o topo da sua cabeça.
       ― Vê se estuda direitinho, pequena. Tire uma boa nota e me deixe orgulhosa.
       ― Pode deixar, grandona.
       As duas se olharam e riram. Lina ligou a televisão, mas não encontrou nada que lhe agradasse para assistir. Desligou a televisão e foi até a janela. Ao olhar para baixo viu Rosana entre as árvores que ficavam em frente ao seu prédio. Os garotos do condomínio chamava aquela parte de Floresta Perdida. Lina lembrou que pegou muitos jogadores desprevenido ali.
       ― Laurinha, vou dar uma volta lá embaixo ― disse da porta do quarto.
       ― Está bem. Vê se não some ― disse para implicar com sua irmã.
       ― Pode deixar, pequena. Se eu sumir de novo eu prometo me despedir de você.
       Lina desceu e foi até a Floresta Perdida. Assim que Rosana viu Lina parada no play a chamou. Lina olhou para os lados para ver se não tinha algum jogador por perto, ela não queria denunciar o esconderijo de sua amiga. Assim que Lina se aproximou da árvore se abaixou.
       ― Como estão as coisas? ― foi logo perguntando.
       ― Estamos perdendo. Talvez o jogo dure mais uma ou duas horas.
       ― Há quanto tempo estão jogando?
       ― Duas horas.
       ― Esse Gustavo é bom mesmo! ― disse Lina muito surpresa.
       ― Eu sou da equipe do Gustavo. ― Lina virou o rosto e olhou ainda mais surpresa para ela. ― A equipe do Beto sempre ganha.
       Uma pergunta passou pela cabeça de Lina, por que Rosana não estava na equipe de Beto? O que teria acontecido? Descobriria isso depois.
       ― Me conte o que está acontecendo no jogo ― pediu Lina.
       Rosana notou o interesse dela no jogo. Abaixou e sentou ao lado da amiga. Se Lina entrasse em sua equipe eles poderiam virar o jogo. Lina era muito boa nesse jogo.
       ― Estamos em dez e a equipe do Beto em onze. Fica sempre um sobrando, e toda vez uma equipe fica com menos, dessa vez foi a nossa equipe.
       ― O Gustavo é o comandante, e quem é o capitão?
       ― A Gabriela. Gustavo é sempre o comandante e ela a capitã.
       ― Você é a ajudante dela?
       O ajudante não era obrigatório, mas era bom para ajudar o capitão. Rosana sempre era a ajudante de Lina quando ela era a capitã.
       ― Ela não tem ajudante. A Gabriela é uma pessoa difícil de lidar. Ela gosta de decidir tudo sozinha e sempre decidi errado. Ela sempre briga com os ajudantes, por isso agora ninguém quer mais ser ajudante dela. E para que ajudante se sempre perdermos, Lina?
       ― Por que isso, Rô?
       ― Todos sabem que o Beto vai ganhar, nós só jogamos por diversão, mais para passar o tempo. O Gustavo até que é um bom comandante, mas a Gabriela é péssima capitã. Estamos acostumados a perder. Só os mais fracos ficam com o Gustavo.
       ― Você não é fraca, Rô. Por que está com o Gustavo?
       O momento de falar de Anna tinha chegado. Rosana só esperava que Lina entendesse.
       ― Por causa da Anna.
       ― Quem é Anna?
       Rosana ficou em silêncio por um momento. Tomou coragem e resolveu contar tudo para Lina.
       ― Anna é uma moradora nova do meu prédio, ela mudou para o condomínio dois meses depois de você viajar. Foi por causa dela que parei de ligar para você.
        Lina segurou a respiração por alguns momentos, o que ela tanto temia enquanto estava na casa da sua avó, tinha acontecido, Rosana tinha arrumado uma outra melhor amiga enquanto ela estava longe. Lina sentiu em seu peito uma vontade muito grande de chorar, mas conseguiu se conter.
       ― Você é minha melhor amiga, Lina, é sempre será ― disse rapidamente ao perceber a tristeza no olhar de Lina. ― É minha irmã. Anna é muito legal, sabe que nossa amizade é muito forte e nunca tentou ser mais do que uma amiga para mim. Ela me fez ver que você precisava de um tempo sozinha e me aconselhou a parar de ligar, que no seu tempo você me procuraria. Demorou um pouco, mas ela tinha razão, você me procurou, e agora está aqui. Ela me ajudou muito, Lina. Eu me senti muito sozinha depois que você viajou.
       Lina sentiu ciúmes daquela nova amizade de Rosana, mas tentou entender. Se aquilo estava acontecendo a culpa era dela.
       ― Tudo bem, Rô. Acho que tenho que agradecer a Anna por ter cuidado de você durante esse tempo.
        ― Mas, tem mais uma coisa, Lina. Eu sei que você mudou, sei que você não pensa mais com a cabeça do Beto.
       ― Rô, não era assim!
       ― Era sim, Lina. E você sabe disso. Todos nós sempre íamos pela cabeça do Beto. Se para ele não era certo, não era certo para ninguém. Lembra daquele garoto que era albino e por isso era muito branco? ― Lina acenou que sim com a cabeça. ― Beto começou a dizer que ele era uma aberração, que não podíamos ter amizade com ele. Mesmo os que não concordavam passou a concordar. Eu não concordava, mas mesmo assim aceitei o que o Beto fazia com aquele garoto. Lembro que ríamos dele. Não sabe o quanto me sinto mal quando me lembro disso. ― Lina abaixou a cabeça. Ela também se sentia como Rosana. Ela nunca concordou com o que Beto fazia com aquele garoto, mas nunca disse nada. Rosana continuou: ― Zoamos tanto o garoto que a família acabou se mudando do condomínio. Fomos muito mal com aquele garoto.
       ― Eu sei, Rô. ― Lina se sentia envergonhada. ― Minha avó tem uma amiga que tem uma filha com essa doença. Nós ficamos amigas, o nome dela é Susana, ela tem um namorado, que é até bonitinho, ele gosta muito dela. Ele a chama de minha branquinha. Ela é muito inteligente. Ela me contou que muitas vezes passou pelo o mesmo que aquele garoto. Eu me senti muito mal. O que o Beto fez com a Anna?
       ― Logo que ela chegou no condomínio nós ficamos amigas, eu a levei para o nosso grupo. Estava indo tudo bem, todos a aceitaram. Quando começamos a jogar ela sempre ficava com a equipe do Beto. Mas um dia o Beto juntou todo o grupo e disse que a Anna não fazia mais parte da nossa equipe. Eu e ela nos olhamos, o que temíamos tinha acontecido, Beto descobriu o segredo dela. Ela já tinha me contado e eu aceitei numa boa. Para mim o importante é a pessoa que ela é.
       ― Que segredo, Rô? ― perguntou Lina calmamente.
       ― Os pais da Anna são presidiários. A mãe dela ficou presa por cinco anos, enquanto isso a Anna ficou com a avó dela, e o pai dela ainda está preso, cumpre pena de 21 anos por contrabando de armas e formação de quadrilha. O Beto humilhou a Anna na frente de todos, e disse que ninguém mais podia falar com ela e que ela estava fora da equipe. Eu me levantei e a defendi, disse que não podíamos fazer aquilo com ela, que ela era nossa amiga. Beto disse que se eu estava com dó dela que fosse embora com ela. Foi o que eu fiz. Gustavo nos aceitou na sua equipe. Fiquei sem falar com Beto durante um tempo, mas depois voltamos a nos falar ― Rosana ficou em silêncio esperando que Lina dissesse algo.
       ― Eu concordo com você, Rô. Anna não tem culpa pelo o que os pais dela fizeram, e se a mãe dela está solta é porque já pagou o que devia. Eu estou muito orgulhosa de você, minha amiga.
       Rosana abriu um largo sorriso e a abraçou. Lina acabava de tirar um peso enorme do seu coração.
       ― Tenho certeza que você vai gostar da Anna. Ela é muito legal.
       ― Se você gosta dela, Rô, eu tenho certeza que vou gostar. Agora me conta mais sobre o jogo.
    ― Antes, preciso lhe contar mais uma coisa.
    Lina suspirou fundo. Com certeza era mais uma coisa que ela não iria gostar.
    ― O que é, Rô?
    ― Quando voltamos a jogar, Beto deixou Júlia de fora. Ela ficou um bom tempo sem jogar.
    ― Por quê, Rô? ― Lina ficou arrasada ao saber o que tinha acontecido com Júlia.
    ― Ele disse que a Júlia era fraca e que não tinha mais você para protegê-la. Por isso ela não faria mais parte da equipe dele.
    ― E ninguém fez nada? Ninguém disse nada?
    ― Calma, Lina. Todos falamos que ele estava errado, que você não ia gostar de saber o que ele estava fazendo quando voltasse. Ele simplesmente disse que a equipe era dele e que faria o que era melhor para a equipe. Eu e a Juliana dissemos que cuidaríamos da Júlia, mas o Beto estava irredutível em sua decisão. Júlia ficou muito mal por vários dias, quase não descia para ficar conversando com a turma.
    ― Beto não podia ter feito isso com ela. Não podia ter feito isso com vocês duas. Depois vou até a casa dela para conversarmos.
    ― Quando fui para a equipe Lobo com a Anna, pedi ao Gustavo que deixasse Júlia entrar na equipe. Contei a ele tudo o que aconteceu. Eu não podia mentir. Disse que Júlia era fraca, mas uma boa jogadora, que eu e a Anna a protegeríamos. Ele rapidamente aceitou Júlia na equipe. Gustavo é um garoto muito legal.
    ― Que bom saber que você cuidou dela, Rô. Obrigada.
    ― Júlia é uma das capturadas ― disse sorrindo.
    ― Eu já esperava ― sorriu. ― Agora me conte a situação do jogo.
       ― Perdemos três jogadores além da Júlia, Anna também é uma dos capturados. E mais dois jogadores: Fábio e Carlos.
       ― E o Beto, quantos ele perdeu?
       ― Nenhum. Não vai demorar muito para ele invadir o esconderijo e tomar a bandeira.
       ― Onde é o esconderijo de vocês?
       ― Naquele quartinho atrás da padaria.
       ― É um bom lugar. Quem é o capitão do Beto? O Ivan?
       ― Não. Depois que o Ivan ficou com a garota do Beto, ele nunca mais foi o capitão dele. Agora é um gordinho, ele é novo no condomínio, mora no prédio do Beto. O nome dele é Jonas. Ele chegou tem uns cinco meses, é o único novato que tem na equipe do Beto. Ele é muito bom de estratégia. Ele lembra muito você, Lina, ele é esperto e pensa rápido. Ele aprendeu rápido o jogo, o que fez Beto gostar dele.
       Lina pensou um pouco e decidiu o que faria.
       ― Eu vou entrar no jogo. Será que o Gustavo me aceita na equipe dele?
       ― Se ele não aceitar será o comandante mais burro de todos os tempos ― disse Rosana com um largo sorriso no rosto. ― Vamos.
       Rosana preparou sua pistola de paintball, caso encontrasse com algum jogador da outra equipe ela estaria preparada. As duas atravessaram o condomínio e foram em direção a padaria que ficava do outro lado. As duas olhavam para todos os lados e só saíam quando viam que tudo estava seguro. Enquanto caminhavam para o esconderijo, Rosana contou para Lina sobre sua equipe. Contou que a equipe do Gustavo eram os Lobos Vermelhos, e lhe mostrou a fita vermelha amarrada em seu pulso com a imagem de um lobo. Eles usavam tinta vermelha para acertar o adversário. Lina lembrou que Beto sempre usava tinta preta na sua equipe por serem os Cobras Pretas. Quando Lina tinha sua própria equipe eles usavam tinta amarela, eles eram os Tigres Amarelos. Mas sua equipe durou por pouco tempo, logo ela passou a fazer parte dos Cobras Pretas. Lina sempre gostou de jogar Conquistar a Bandeira, estava mais de um ano sem jogar. Ao pensar que viveria novamente aquela adrenalina que só sentia quando estava jogando, seu coração acelerou forte.
       Assim que chegaram no esconderijo dos Lobos Vermelhos, entraram em uma pequena porta que dava para um pequeno quartinho, que ficava embaixo da padaria. Ali era um antigo depósito da padaria que não era mais usado. O dono deixava que fizessem ali de esconderijo durante o jogo. Outras equipes já tinham escolhido aquele lugar como esconderijo, por isso Lina sabia daquele lugar. Ela não gostava muito daquele esconderijo por ser perto do esconderijo de Beto, que ficava do outro lado do condomínio e na mesma direção. Ao entrar, Lina notou que o quartinho era  iluminado por um lampião que mal iluminava o ambiente. Viu dois jogadores que assim que a viram atrás de Rosana levantaram-se e a olharam sério. Lina não conhecia nenhum dos dois. Eles eram Marcelo e Tânia. Os dois tinham 15 anos. Tânia e Marcelo eram irmãos gêmeos, mas não idênticos. Mas em algo os dois eram parecidos, os dois eram ruivos com sardas no rosto.
       ― Onde está o comandante? ― perguntou Rosana para os dois jogadores.
       ― Lá atrás ― apontou Tânia para umas caixas no fundo do quartinho. Detrás das caixas saía uma luz fraca. ― Estão tentando planejar um plano para atacar os Cobras.
    O quartinho tinha um outro cômodo que era ainda menor que aquele, que eles faziam de prisão. Gustavo queria um lugar calmo onde ele pudesse pensar, por isso improvisou um outro cômodo colocando algumas caixas separando os dois cômodos. Gustavo e Gabriela estavam nessa parte do quartinho.
       ― Mas ainda é muito cedo para atacar ― disse Lina, mas no mesmo instante que disse se arrependeu. Ela não devia se intrometer já que não fazia parte da equipe.
       ― Gustavo é um pouco impaciente ― disse Rosana e olhou para os outros para que eles confirmassem o que ela disse.
       ― Será que ele não sabe que esse jogo é de paciência?
       ― O que está acontecendo aqui?
       Lina virou a cabeça e viu Gustavo saindo detrás das caixas. Atrás dele estava sua irmã. Lina voltou a olhar para Gustavo que tinha um andar decidido. Lina se surpreendeu ao ver que Gustavo tinha se transformado em um rapaz muito bonito. Depois do encontro dos dois na garagem, Lina via Gustavo raramente quando ele estava saindo para a escola. Os dois olharam para Lina e arregalaram os olhos, pareciam não acreditar que ela estava mesmo ali.
       Lina e Gustavo se olharam em silêncio por uns instantes. Aquele olhar deixou Lina desconcertada. Gustavo a olhava com carinho. Era o mesmo olhar que ela viu uma vez na garagem do prédio dele. Ela estava com 13 anos quando aquele encontro aconteceu. Foi um pouco antes de começar a namorar com Beto. Lina estava brincando de pique esconde com a turma do condomínio e se escondeu na garagem do primeiro prédio do conjunto I. Estava escondida entre dois carros. Ela ouviu passos e se preparou para ser capturada, mas quem apareceu foi Gustavo. Eles se olharam durante um tempo. Lina ficou desconcertada com aquele olhar, nunca nenhum garoto a olhou com tanto carinho. Ela se levantou e saiu correndo. Depois disso ela pensou em Gustavo e naquele olhar durante vários dias. Mas, quando começou a namorar com Beto, ela esqueceu de Gustavo e daquele olhar que a deixou tão desconcertada.
       Lina desviou o olhar de Gustavo e olhou para o chão.
       ― O que está acontecendo aqui? ― perguntou novamente, mas agora sua voz soou com raiva.
       ― Lina quer entrar na equipe ― disse Rosana. ― Estamos com um a menos, Beto não pode dizer nada. ― Gustavo continuou em silêncio enquanto olhava para Rosana, ele teve que se esforçar muito para não olhar em direção a Lina. ― Ela pode entrar na equipe, Gustavo?
       Gustavo virou a cabeça e olhou para sua irmã, ao mesmo tempo ela também olhou para ele. Os dois trocaram um olhar que ninguém soube decifrar. Mas Lina desconfiava qual tinha sido a pergunta ele tinha feito em silêncio para ela. Vai aguentar a presença dela? Lina teve vontade de sair correndo dali, mas se conteve por causa de Rosana e Júlia.
    Lina queria muito entrar para a equipe dos Lobos. Ela ficou com muita raiva ao saber que Beto tinha expulsado Rosana e excluído Júlia da equipe Cobra. Ela queria mostrar para ele que Rosana e Júlia fariam muita falta para ele, por isso continuou parada esperando pela resposta de Gustavo. Enquanto esperava, Lina perguntava a si mesma se Gabriela não sabia que ela e Beto tinham terminado. Depois de tanto tempo ela ainda sentia tanta raiva dela por ciúmes dele?
       ― Marcelo ― chamou Gustavo.
       Marcelo se colocou à frente de seu comandante.
       ― Pegue a bandeira branca e ande por aí. Quando algum jogador do Cobra fizer contato, diga que queremos marcar uma reunião para a entrada de um novo membro em nossa equipe. Marque o encontro na Praça Principal daqui a meia hora. Mas não diga quem é. Agora vai.
       Marcelo pegou a bandeira e saiu apressado. Ele estava animado que pela primeira vez algo diferente estava acontecendo naquele jogo.
       ― Tânia, avise Ronaldo do encontro e diga para ele vir para o esconderijo. Venha, Gabriela. Vocês esperem aqui.
    Gustavo e Gabriela voltaram para atrás das caixas. Lina sentou em um canto, Rosana sentou ao seu lado e sorriu, as duas ficaram em silêncio enquanto esperavam pelo os outros. Lina ainda estava intrigada com o olhar de Gustavo. Tudo o que ela queria naquele momento era saber o que aquele dois tanto conversavam atrás daquelas caixas.


    Assim que se viu protegido pelas caixas, Gustavo sentou no chão e suspirou forte, precisava recuperar o controle que tinha perdido ao ver Lina em sua frente. Antes desse encontro com Lina, Gustavo estava certo que não sentia mais nada por ela. Ficar sem vê-la durante aquele ano só reforçou sua certeza. Ele estava até pensando em pedir Cláudia, uma amiga da faculdade, em namoro. Mas, ao ver Lina novamente, o que ele pensava que não existia mais, voltou com força maior. Ao vê-la parada em sua frente tudo o que ele queria era ir até ela e abraçá-la e lhe dizer o quanto a amava. Ele ainda a amava, e agora ainda mais.
    Lina era a garota mais linda que Gustavo já tinha visto. Desde que a viu pela primeira vez na garagem do seu prédio, quando tinha 14 anos, ele nunca mais a esqueceu. Lina estava ainda mais bonita. Gustavo percebeu que ela estava diferente, algo tinha mudado nela. Seus cabelos estavam soltos, emoldurando seu lindo rosto. Eles tinham crescido e estava quase na altura da cintura. Lina tinha os olhos pretos, tão pretos que pareciam duas jabuticabas. Tinha uma pequena boca que pedia para ser beijada. Quantas noites Gustavo dormiu sonhando que a segurava nos braços e a beijava com paixão. Tudo o que ele queria era poder sentir o gosto dos lábios de Lina. Seus pensamentos foram interrompidos por Gabriela que se abaixou em frente à seu irmão e se apoiou nos joelhos dele.
       ― Está tudo bem, Gustavo? ― disse baixo para que os outros não a ouvisse.
       ― Pensei que não gostasse mais dela, que a tinha esquecido. Mas ao vê-la ali na minha frente, vi que aquele amor que sempre senti por ela só estava guardado. Você sabia que ela tinha voltado? ― sua irmã acenou que não com a cabeça.
       ― Eu vou dizer que mudou de ideia. ― Quando ia se levantar, Gustavo a segurou.
       ― Não ― disse um pouco alto demais. ― Ter Lina na nossa equipe pode fazer Beto balançar, pode ser muito bom para nós, pela primeira vez os Lobos Vermelhos terão uma chance de vencer. Viu como o Marcelo saiu animado?
       ― Eu vi. Eu só não quero que você se magoe, meu irmão. Eles podem voltar. ― disse se referindo a Lina e Beto.
       ― Eu sei, Gabriela. Ter Lina ao meu lado por alguns momentos me fará bem. É tudo o que eu quero nesse momento. Não precisa se preocupar, minha irmã. Eu vou ficar bem.
       ― Tudo bem, Gustavo. Sabe que sempre vou apoiá-lo em suas decisões.
       ― Obrigado, Gabriela. Obrigado, minha capitã.
       Os dois sorriram. Gabriela levantou e se afastou do irmão. Gustavo era forte e decidido, o que Gabriela admirava em seu irmão. Gustavo só tinha uma fraqueza na vida, seu amor por Lina. Quando Gustavo estava com 14 anos e ela com 13, Gabriela entrou no quarto do irmão e o viu chorando. Não era um simples choro, Gustavo estava em prantos. Ela sentiu o quanto seu irmão estava sofrendo. Ver o irmão sofrendo daquele jeito, mexeu muito com Gabriela, daquele dia em diante passou a sentir uma raiva muito grande por Lina.
    Dias antes de ver seu irmão chorando, ele lhe contou de seu amor por Lina, contou de seu encontro com ela na garagem. Gabriela disse para seu irmão tentar conquistar Lina. Ela o aconselhou a enviar um bilhete dizendo que gostava dela. Gustavo seguiu o conselho de sua irmã e escreveu o bilhete. Dias depois soube que Lina estava namorando com Beto, um garoto que morava no mesmo conjunto que eles. Beto era um badboy que estava sempre arrumando encrenca. Gabriela nunca entendeu como Lina pôde ter se apaixonado por um garoto como ele. Depois que viu seu irmão sofrendo tanto por Lina, ela passou a sentir uma raiva muito grande por dela. No fundo Gabriela sabia que Lina não tinha culpa por Gustavo está apaixonado por ela, mas não conseguia controlar a raiva que sentia quando via Lina. Mas com o tempo essa raiva foi diminuindo. Depois que soube do sentimento do seu irmão por Lina, Gabriela passou a prestar mais atenção nela, e com o tempo passou a admirar o jeito de Lina. Às vezes Gabriela ficava olhando da janela do seu quarto, que dava para a Praça Principal do condomínio, ela via como todos gostavam de  Lina e como ela era amiga de todos. Às vezes Gabriela até a invejava por ter tanta liberdade, por ser tão espontânea em tudo o que fazia. Gabriela passou a ter raiva de Lina só quando a encontrava pelo condomínio e ela lembrava do dia que viu seu irmão chorando. Às vezes Gabriela se imaginava sendo amiga de Lina. Agora que Lina faria parte da equipe Lobo, talvez tivesse essa oportunidade. Ela estava feliz com a entrada de Lina na equipe. Só estava um pouco preocupada com Gustavo, que podia sair ainda mais machucado quando o jogo terminasse.
    Gabriela virou-se para seu irmão, que ainda estava sentado no chão, viu que ele ainda estava na mesma posição, parecia perdido em seus pensamentos. Pensamentos esses que com certeza eram com Lina.

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